• “Adianto aos leitores de meu blog, que ele deve ser lido pausadamente, é de que não conheço a arte de ser claro para quem não deseja ser atento."

  • "Se você tivesse acreditado nas minhas brincadeiras de dizer verdades, teria ouvido muitas verdades que insisto em dizer brincando... Falei, muitas vezes, como um palhaço, mas nunca desacreditei da seriedade da plateia que sorria." Charles Chaplin

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A Vida é um Risco

A filosofia de Nietzsche é fantástica. Mas do que especulação é ação na vida do pensador. Vejo nos escritos de Nietzsche, mas do que pura especulação filosófica, uma espécie de autobiografia, como ele mesmo parece insinuar em sua obra Para Além do Bem e do Mal § 6 : “Aos poucos se evidenciou para mim o que toda grande filosofia foi até o momento: a autoconfissão do seu autor”. Nietzsche é, e não só sua filosofia, essa pluralidade.

Nietzsche valoriza a existência de posições contraditórias no homem como algo positivo, como uma condição mesma para seu futuro desenvolvimento. O pensamento Trágico de Nietzsche exclui a possibilidade de uma unidade final. A vida é múltipla e pluralista: prazer e dor, vida e morte. A compreensão trágica pode ser definida como a alegria do múltiplo, a alegria do plural. No canto ébrio de Assim falou Zaratustra ele escreve: “Nunca disseste sim a uma alegria? Ah, meus amigos, então já disseram sim a uma dor? Todas as coisas estão encadeadas, emaranhadas, ligadas pelo amor?”

A compreensão trágica da vida contém também um desafio ético: ela nos convida a permanentemente simbolizar , a destruir máscaras e a criá-las, consciente do seu caráter de máscaras. Essa concepção afirma a necessidade de aceitar o desafio de articular, em palavra e atos, aquilo que não é completamente articulável, propõe o fim de todo fundamento fixo. Somos chamados a criar algo novo, a reconhecer também o caráter contextual e diferenciado de todas as verdades e significados simbólicos que a realidade nos manifesta.

Também é assim nessa ótica plural que um dos conceitos mais complexos da obra de Nietzsche, a Vontade de Potência é compreendida e sentida. A Vontade de Potência significa a vida mesma, sem “identidades estáveis”. Em nossa experiência de mundo nunca nos defrontamos com algo que possa ser uno e idêntico. O ser é plural e contraditório. O “eu” é pluralidade de máscaras e impulsos. O indivíduo não tem um fundamento substancial, mas constitui-se a partir do jogo de diferentes impulsos e forças. Assim, a vida, enquanto pluralidade de energia e forças se direciona em todos os sentidos: ascendentes, descendentes, verticalmente e horizontalmente. Me encontro em meio as coisas perdidas?

Assim com a compreensão trágica da vida e a vontade de potência, o Eterno Retorno é diversidade, é um vir a ser, é devir. O tempo é para Nietzsche o que está determinado e que simultaneamente está em aberto, aquilo que foi decidido mas também aquilo que pode ser decidido, passado e futuro, necessidade e liberdade, duração e eternidade. O tempo é experimentado sem a segurança de uma estrutura fixa e absolutamente determinada, sem um “telos”, sem a historicidade linear. O conteúdo ético do Eterno Retorno repousa num círculo.

A eternidade é agora o tempo, o tempo é agora a eternidade. A doutrina do Eterno Retorno conduz a “uma experiência múltipla”, ela é uma hipótese, uma prova, uma experiencia do prazer de dizer “sim” diante de cada momento, é uma tentativa ética. A realidade permanece marcada pela diversidade e pluralidade. Todos os princípios opostos e contraditórios devem aí permanecer e mesmo se pressupõem.

Por fim, o “UBERMENSCH” é aquele que carrega a diversidade a pluralidade de várias máscara, é como o deus Dionísio. É o “homem ativo”, o ator que desempenha vários papéis, mas sobretudo, aquele que sabe desempenhar um papel e volta sempre mais uma vez a procurar outro papel sem permanecer fixado numa determinada interpretação. O “Ubermensch” quer afirmar o mundo nas suas contradições, ele se encontra se perdendo. Ele precisa afirmar a pluralidade.

Considerando os aspectos positivos desta filosofia podemos tomar proveito para dá significados a vida e principalmente para o grande risco que é a vida, pois para Nietzsche viver é correr riscos. Vamos nessa carreira!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Origem da Vida, Stannley L. Miller

Em 1954, o cientista norte-americano Stannley L. Miller construiu um aparelho onde reuniu metano, amônia, hidrogênio e vapor de água, numa tentativa de recriar, em laboratório, as prováveis condições reinantes na atmosfera primitiva. Imaginando que as descargas elétricas poderiam ter constituído uma fonte de energia capaz de promover o rompimento de ligações químicas das moléculas dos "gases primitivos", Miller submeteu os gases, reunidos, a faíscas elétricas de alta intensidade.
Depois de algum tempo, observou o acúmulo de substâncias orgânicas numa determinada região do aparelho, entre as quais encontrou vários aminoácidos.
Pouco anos depois (1957), baseando-se nos experimentos de Miller, Sidney Fox, também norte-americano, aqueceu uma mistura seca de aminoácidos. Fox partiu da suposição de que os compostos orgânicos caídos com as chuvas formavam massas secas sobre as rochas quentes, após a evaporação da água. Ao final de sua experiência constatou a presença de proteinóides (moléculas de natureza protéica constituídas por alguns poucos aminoácidos), numa evidência de que os aminoácidos teriam se unido através de ligações peptídica, numa síntese por desidratação.
Melvin Calvin, outro cientista norte-americano, realizou experiências semelhantes à de Miller, bombardeando os gases primitivos com radiações altamente energéticas e obteve, entre outros, compostos orgânicos do tipo carboidrato.
Todas essas experiências demonstraram a possibilidade da formação de compostos orgânicos antes do surgimentos de vida na Terra. Isso veio favorecer a hipótese heterotrófica, uma vez que a existência prévia de matéria orgânica é um requisito básico não só para a alimentação dos primeiros heterótrofos, como também para sua própria formação.
Fonte: www.brasilescola.com
Stanley Miller desenvolveu um experimento que onde projetou e construiu um aparelho que reproduzia as condições Terra primitiva. Parte desse aparelho consistia em um balão de vidro em que Miller colocou os gases que se presumia que poderiam ser encontradas na atmosfera primitiva submetendo-os a um aquecimento elevado e constante descargas elétricas.
O vapor d’água era fornecido por outro balão contendo água em ebulição. Posteriormente ele se condensava e precipitava simulando a chuva.
Após uma semana, Miller coletou o produto que se acumulou no reservatório do aparelho e pode comprovar a presença de carboidratos e aminoácidos, sendo quatro deles abundantes nos seres vivos.
Fonte: origemdavida.vpg.com.br
Experimento de Miller: elaborou um aparelho que simulava as condições primitivas do planeta; comprovando o surgimento espontâneo de compostos orgânicos a partir da mistura de gases proposta por Oparin.
Hipótese Heterotrófica: Acreditava que os primeiros organismos eram estruturalmente muito simples, e é de se supor que as reações químicas em suas células também o fossem. Eles viviam em uma ambiente aquático, rico em substâncias nutritivas, mas não havia oxigênio na atmosfera, nem dissolvido na água dos mares. Nessas condições, é possível supor que, tendo alimento abundante ao seu redor, esses primeiros seres teriam utilizado esse alimento já pronto como fonte de energia e matéria prima.
Hipótese Autotrófica: tende a substituir a Hipótese Heterotrófica. A principal evidência a favor dessa hipótese foi a descoberta das bactérias quimiolitoautotróficas que utilizam a energia liberada por reações químicas entre componentes inorgânicos da crosta terrestre para fabricar suas próprias substâncias alimentares.
Fonte: www.darwin.com.br
QUÍMICA DA VIDA NA TERRA
Antigamente, acreditava-se que as bactérias nasciam espontaneamente de seres não vivos, o que mais tarde foi provado ser errado por Pasteur com a sua famosa experiência com uma retorta. Ironicamente hoje compreendemos que a primeira vida na Terra foi na realidade originada em ambientes abióticos. De fato, moléculas orgânicas foram geradas com sucesso de elementos abióticos pelos cientista Miller e Urey.
A evolução da vida química abiótica segue quatro etapas principais:
1. A síntese abiótica e acumulação de moléculas orgânicas ou monômeros como os aminoácidos e nucleótidos.
2. A junção de monômeros em polímeros íncluindo proteínas e ácidos nucleicos.
3. A agregação de moléculas produzidas abioticamente em dropletos, protobiontes que tinham característica químicas diferentes do seu meio.
4. Origem da hereditariedade.
Para compreender como ocorreu esta criação de vida a partir de material abiótico temos de considerar duas idéias muito importantes:
1. A extensão da idéia de seleção natural para nível químico.
2. A compreensão de que o estado do mundo primitivo quanto a vida primitiva apareceu devia ser muito diferente do presente:
a) Atmosfera não oxidante: o presente nível de oxigênio que se começou a acumular há cerca de dois bilhões anos atrás com a presença de cianobactérias, deveria ter sido mortal para o organismo primitivo.
b) Recursos abundantes produzidos não biologicamente.
c) Uma grande escala de tempo sem co.

A experiência de Miller: síntese abiótica de moléculas orgânicas
Já na primeira metade deste século foram realizados algumas tentativas de simulação laboratorial do ambiente da terra primitiva, todavia os resultados não foram em geral encorajadores.
Em princípios da década de cinquenta, Harold Urey, que estudava então as atmosferas redutoras, estava também fortemente convencido, tal como Oparin, de que a atmosfera gasosa terrestre primitiva era fortemente redutora e continha essencialmente metano, hidrogênio, amoníaco e vapor de água.
Foi a partir desta mistura que Stanley Miller, então joven colaborador, montou um dispositivo idêntico ao representado na figura ao lado e simulou nele algumas condições que se admitia, segundo o modelo de Oparin-Haldane, terem existido na atmosfera primitiva.
Miller, com a mistura de metano, amoníaco, vapor de água e hidrogénio que preparou, simulava a atmosfera primitiva terrestre submetendo-a a descargas eléctricas de alta vontagem. A ideia básica desta experiência era fornecer energia a essa mistura gasosa e verificar se se produziam moléculas orgânicas.
Os gases, depois de terem sido submetidos a descargas eléctricas na ampola, passam ao longo de um condensador onde eram refrigerados, formando-se uma solução na qual são possíveis outras reações. Como algumas fontes de energia tendem a destruir as moléculas formadas, os investigadores, fazendo circular os gases, retiram as moléculas produzidas da fonte de energia, evitando assim a sua destruição.
Depois de uma série de descargas eléctricas, o líquido, inicialmente incolor, passou a um castanho-alaranjado, o que mostra que possivelmente novas moléculas se haviam formado.
Miller, empregando uma técnica analítica de cromatografia em papel, analisou a composição da mistura verificando que se tinha produzido grande número de compostos orgânicos, entre as quais vários aminoácidos e outros moléculas básicas da vida.

Algumas pistas moleculares da origem da vida na terra
As moléculas de organismos vivos são ricas em compostos de hidrogênio e carbono. Isto sugere que existia pouco ou nenhum oxigênio molecular na Terra primitiva.
Todos os aminoácidos existem tanto no estado destrógino e no estado levógino. Contudo só 20 aminoácidos da variedade levógino são usados pelos organismos vivos em proteínas. Tal sugere que houve uma única origem da vida.
DNA e RNA são a base universal de todas as formas de vida da terra.
Em qualquer célula, os primeiros passos do metabolismo de carbohidratos sugere uma mesma origem.
Fonte: www.if.ufrj.br

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Deus

Deus quer prevenir o mal, mas não consegue?
Então ele não é onipotente.
Ele consegue, mas não quer?
Então ele é malevolente.
Ele quer e ele consegue?
Então porque o mal acontece?
Ele não quer e não consegue?
Então porque chamá-lo de Deus?

- Epicuro

terça-feira, 30 de março de 2010

Simulação da Criação do Universo

A primeira etapa de uma das mais ambiciosas experiências da História da física foi concluída, nesta quarta-feira, com sucesso. A Organização Européia de Pesquisa Nuclear (CERN, na sigla em francês), em Genebra, acionou o mais potente acelerador de partículas já construído, o Large Hadron Collider (Grande Colisor de Hádrons, LHC), para tentar reproduzir o Big Bang. O objetivo do projeto, que envolve cientistas de 180 instituições de pesquisa de 50 países - entre eles o Brasil -, é encontrar a origem das massas das partículas e decifrar a origem do Universo. Os resultados do experimento só devem sair no próximo ano.
O LHC está localizado a cem metros sob a superfície, na fronteira da Suíça com a França. As dezenas de pesquisadores que acompanharam o início da experiência comemoraram o resultado positivo da primeira tentativa de colocar em circulação feixes de milhões de prótons no acelerador. Eles conseguiram que as partículas dessem uma volta completa no enorme túnel circular. E o mundo não acabou, como temiam alguns críticos.
Dois feixes de prótons estão circulando num anel de 27 quilômetros em velocidade cada vez maior. Nas próximas semanas, devem chegar perto da velocidade da luz. Em quatro detectores gigantes, os cientistas podem mudar a rota para provocar um choque das partículas e recriar o Big Bang, a explosão que teria dado origem ao universo.
Os primeiros choques de prótons - uma das partículas que formam o átomo - só devem acontecer em alguns meses. Usando poderosos imãs, os cientistas farão os prótons se chocarem à velocidade da luz. Na fração de segundo que se segue à explosão, os prótons dever ser divididos em partículas muito menores. Algumas nunca foram vistas, embora sejam a base teórica da física de partículas.
Entre elas, está o Bóson de Higgs, também chamado de "A partícula de Deus", que seria a responsável pela criação da matéria. A comprovação de sua existência ajudaria a explicar por que as massas são tão diversas.
- O principal objetivo é encontrar o Higgs - diz o brasileiro Alberto Santoro, coordenador do grupo da Uerj que participa da experiência.
Os cientistas procuram também a existência de outras dimensões de espaço e tempo e a explicação para a matéria negra, uma força que compõe grande parte do universo e sobre a qual sabe-se pouco. Nos últimos dias, grupos tentaram impedir na Justiça que o LHC fosse ativado. Eles temem a formação de um buraco negro, uma força gravitacional tão forte que engoliria o universo. Mas os cientistas do Cern provaram que isso acontece no universo naturalmente com muita freqüência e sem destruir o universo.
"Esses processos que a gente vai criar aqui em laboratório de forma controlada ocorrem o tempo todo, em escalas de energia muito maiores do que a gente consegue realizar aqui no laboratório e com uma freqüência muito maior também na natureza. Certamente o universo está aí há bilhões de anos e não foi destruído até hoje", disse a TV Globo o físico André Sznajder, da Uerj e da Cern.
Pode levar meses até que os dados sejam analisados e os resultados desse experimento sejam conhecidos. O projeto é ambicioso. A construção do acelerador começou em 1996, custou 3,76 bilhões de euros e envolveu dez mil cientistas e engenheiros de 580 universidades, incluindo brasileiros (com apoio do CNPq/MCT). Segundo Robert Aymar, diretor da CERN, o LHC proporcionará "descobertas que mudarão nossa visão do mundo, em particular sobre a sua criação":
- Há partículas muito mais pesadas do que as que conhecemos. É o que chamamos de matéria negra. Com o LHC vamos identificar e compreender esta matéria.

Fonte: O Globo

quinta-feira, 18 de março de 2010

Fragilidade-força humana, Pascal

O homem é apenas um caniço, o mais fraco da natureza; mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: um vapor, uma gota de água é suficiente para matá-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que aquilo que o mata, por que ele sabe que morre e conhece a vantagem do Universo sobre ele; mas disso o Universo nada sabe. Toda nossa dignidade consiste, pois, no pensamento. É a partir dele que nos devemos elevar e não do espaça e do tempo, que não saberíamos ocupar.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Lira Paulistana - Mário de Andrade

Garoa de meu São Paulo,
Um negro vem vindo, é branco!
Só bem perto fica negro,
Passa e torna e ficar branco.
Meu São Paulo da garoa,
- Londres das neblinas frias –
Um pobre vem vindo, é rico!
Só bem perto fica pobre,
Passa e torna a ficar rico.

Há um véu denso de ar úmido entre o objeto conhecedor e o objeto a ser conhecido. Não conseguimos ver a realidade tal qual é de fato. O poeta exprime um dos problemas que mais fascinam a Filosofia: como a ilusão é possível? Como podemos ver o que não é? Como a verdade é possível? Qual é a ‘garoa’ que se interpõe entre o nosso pensamento e a realidade?

Santo Agostinho - O Tempo - Confissões

O que é o tempo? Tentemos fornecer uma explicação fácil e breve. O que há de mais familiar e mais conhecido que o tempo? Mas, o que é o tempo? Quando quero explicá-lo, não encontro explicação. Se eu disser que o tempo é a passagem do passado para o presente e do presente para o futuro, terei que perguntar: como pode o tempo passar? Como sei que ele passa? O que é o tempo passado? Onde ele está? O que é o tempo futuro? Onde ele está? Se o passado é o que eu, do presente, espero, então não seria mais correto dizer que o tempo é apenas o presente? Mas, quanto dura o presente? Quando acabo de colocar o ‘r’ no verbo ‘colocar’, este ‘r’ é ainda presente ou já é passado? A palavra que estou pensando em escrever a seguir, é presente ou é futuro? O que é o tempo, afinal? E a eternidade? Santo Agostinho, Confissões.

Ignorância e Verdade

Como já disse Emanuel Kant: não se aprende Filosofia, mas a filosofar. Não podemos aprender automaticamente a filosofia como um conjunto de idéias e sistemas, não podemos fazer um passeio turístico pelos campos intelectuais. Para apreendê-la é preciso uma decisão ou deliberação orientada por um valor: a verdade.
Quando afirmando que a filosofia é um valor estamos dizendo que o verdadeiro confere às coisas, aos seres humanos, ao mundo um sentido que não teriam se fossem considerados indiferentes à verdade e à falsidade.
Ignorar é não saber alguma coisa. A ignorância pode ser tão profunda que se quer a percebemos ou a sentimos, ou seja, não sabemos que não sabemos, não sabemos que ignoramos. Em geral, o estado de ignorância se mantém em nós enquanto as crenças e opiniões que possuímos para viver e agir no mundo se conserva como eficazes e úteis, de modo que não temos nenhum motivo para desconfiar delas, nenhum motivo para duvidar delas e, conseqüentemente achamos que sabemos tudo o que há para saber.
A incerteza é diferente da ignorância porque, na incerteza, descobrimos que somos ignorantes, que nossas crenças e opiniões parecem não dar conta da realidade, que há falhas naquilo em que acreditamos e que, durante muito tempo, nos serviu como referência para pensar e agir. Na incerteza não sabemos o que pensar, o que dizer ou o que fazer em certas situações ou diante de certas coisas, pessoas, fatos, etc. Temos dúvidas, ficamos cheios de perplexidade e somos tomados pela insegurança.
Outras vezes, estamos confiantes e seguros e, de repente, vemos ou ouvimos alguma coisa que nos enche de espanto e de admiração, não sabemos o que pensar ou o que fazer com a novidade do que vimos ou ouvimos porque as crenças, opiniões e idéias que possuímos não dão conta do novo. O espanto e a admiração, assim como antes a dúvida e a perplexidade, nos fazem querer saber o que não sabemos, nos fazem querer sair do estado de insegurança ou de encantamento, nos fazem perceber nossa ignorância e criam o desejo de superar a incerteza.
Quando isso acontece, estamos na disposição de espírito chamada busca da verdade. O desejo da verdade aparece muito cedo nos seres humanos como desejo de confiar nas coisas e nas pessoas, isto é, de acreditar que as coisas são exatamente tais como as percebemos e o que as pessoas nos dizem é digno de confiança e crédito.
Ao mesmo tempo, nossa vida cotidiana é feita de pequenas e grandes decepções e, por isso, desde cedo, vemos as crianças perguntarem aos adultos se tal ou qual coisa "é de verdade ou é de mentira".
Quando uma criança ouve uma história, inventa uma brincadeira ou um brinquedo, quando joga, vê um filme ou uma peça teatral, está sempre atenta para saber se "é de verdade ou de mentira", está sempre atenta para a diferença entre o "de mentira" e a mentira propriamente dita, isto é, para a diferença entre brincar, jogar, fingir e faltar à confiança.
Quando uma criança brinca, joga e finge, está criando um outro mundo, mais rico e mais belo, mais cheio de possibilidades e invenções do que o mundo onde, de fato, vive. Mas sabe, mesmo que não formule explicitamente tal saber, que há uma diferença entre imaginação e percepção, ainda que, no caso infantil, essa diferença seja muito tênue, muito leve, quase imperceptível - tanto assim, que a criança acredita em mundos e seres maravilhosos como parte do mundo real de sua vida.
Por isso mesmo, a criança é muito sensível à mentira dos adultos, pois a
mentira é diferente do "de mentira", isto é, a mentira é diferente da imaginação e a criança se sente ferida, magoada, angustiada quando o adulto lhe diz uma mentira, porque, ao fazê-lo, quebra a relação de confiança e a segurança infantis.
Quando crianças, estamos sujeitos a duas decepções: a de que os seres, as coisas, os mundos maravilhosos não existem "de verdade" e a de que os adultos podem dizer-nos falsidades e nos enganar. Essa dupla decepção pode acarretar dois resultados opostos: ou a criança se recusa a sair do mundo imaginário e sofre com a realidade como alguma coisa ruim e hostil a ela; ou, dolorosamente, aceita a distinção, mas também se torna muito atenta e desconfiada diante da palavra dos adultos. Nesse segundo caso, a criança também se coloca na disposição da busca da verdade.
Nessa busca, a criança pode desejar um mundo melhor e mais belo que aquele em que vive e encontrar a verdade nas obras de arte, desejando ser artista também.
Ou pode desejar saber como e por que o mundo em que vive é tal como é e se ele poderia ser diferente ou melhor do que é. Nesse caso, é despertado nela o desejo de conhecimento intelectual e o da ação transformadora.
A criança não se decepciona nem se desilude com o "faz-de-conta" porque sabe que é um "faz-de-conta". Ela se decepciona ou se desilude quando descobre que querem que acredite como sendo "de verdade" alguma coisa que ela sabe ou que ela supunha que fosse "de faz-de-conta", isto é, decepciona-se e desilude-se quando descobre a mentira. Os jovens se decepcionam e se desiludem quando descobrem que o que lhes foi ensinado e lhes foi exigido oculta a realidade, reprime sua liberdade, diminui sua capacidade de compreensão e de ação. Os adultos se desiludem ou se decepcionam quando enfrentam situações para as quais o saber adquirido, as opiniões estabelecidas e as crenças enraizadas em suas consciências não são suficientes para que compreendam o que se passa nem para que possam agir ou fazer alguma coisa.
Assim, seja na criança, seja nos jovens ou nos adultos, a busca da verdade está sempre ligada a uma decepção, a uma desilusão, a uma dúvida, a uma perplexidade, a uma insegurança ou, então, a um espanto e uma admiração diante de algo novo e insólito.
Em nossa sociedade, é muito difícil despertar nas pessoas o desejo de buscar a verdade. Pode parecer paradoxal que assim seja, pois parecemos viver numa sociedade que acredita nas ciências, que luta por escolas, que recebe durante 24 horas diárias informações vindas de jornais, rádios e televisões, que possui editoras, livrarias, bibliotecas, museus, salas de cinema e de teatro, vídeos, fotografias e computadores.
Ora, é justamente essa enorme quantidade de veículos e formas de informação que acaba tornando tão difícil a busca da verdade, pois todo mundo acredita que está recebendo, de modos variados e diferentes, informações científicas, filosóficas, políticas, artísticas e que tais informações são verdadeiras, sobretudo porque tal quantidade informativa ultrapassa a experiência vivida pelas pessoas, que, por isso, não têm meios para avaliar o que recebem.
Bastaria, no entanto, que uma mesma pessoa, durante uma semana, lesse de manhã quatro jornais diferentes e ouvisse três noticiários de rádio diferentes; à tarde, freqüentasse duas escolas diferentes, onde os mesmos cursos estariam sendo ministrados; e, à noite, visse os noticiários de quatro canais diferentes de televisão, para que, comparando todas as informações recebidas, descobrisse que elas "não batem" umas com as outras, que há vários "mundos" e várias "sociedades" diferentes, dependendo da fonte de informação.
Uma experiência como essa criaria perplexidade, dúvida e incerteza. Mas as pessoas não fazem ou não podem fazer tal experiência e por isso não percebem que, em lugar de receber informações, estão sendo desinformadas. E, sobretudo, como há outras pessoas (o jornalista, o radialista, o professor, o médico, o policial, o repórter) dizendo a elas o que devem saber, o que podem saber, o que podem e devem fazer ou sentir, confiando na palavra desses "emissores de mensagens", as pessoas se sentem seguras e confiantes, e não há incerteza porque há ignorância.
Outra dificuldade para fazer surgir o desejo da busca da verdade, em nossa sociedade, vem da propaganda.
A propaganda trata todas as pessoas, crianças, jovens, adultos, idosos, como crianças extremamente ingênuas e crédulas. O mundo é sempre um mundo "de faz-de-conta": nele a margarina fresca faz a família bonita, alegre, unida e feliz; o automóvel faz o homem confiante, inteligente, belo, sedutor, bem-sucedido nos negócios, cheio de namoradas lindas; o desodorante faz a moça bonita, atraente, bem empregada, bem vestida, com um belo apartamento e lindos namorados.
A propaganda nunca vende um produto dizendo o que ele é e para que serve. Ela vende o produto rodeando-o de magias, belezas, dando-lhe qualidades que são de outras coisas (a criança saudável, o jovem bonito, o adulto inteligente, o idoso feliz, a casa agradável, etc.), produzindo um eterno "faz-de-conta".
Outra dificuldade para o desejo da busca da verdade vem da atitude dos políticos nos quais as pessoas confiam, ouvindo seus programas, suas propostas, seus projetos enfim, dando-lhes o voto e vendo-se, depois, ludibriadas, não só porque não são cumpridas as promessas, mas também porque há corrupção, mau uso do dinheiro público, crescimento das desigualdades e das injustiças, da miséria e da violência.
Em vista disso, a tendência das pessoas é julgar que é impossível a verdade na política, passando a desconfiar do valor e da necessidade da democracia e aceitando "vender" seu voto por alguma vantagem imediata e pessoal, ou caem na descrença e no ceticismo.
No entanto, essas dificuldades podem ter o efeito oposto, isto é, suscitar em muitas pessoas dúvidas, incertezas, desconfianças e desilusões que as façam desejar conhecer a realidade, a sociedade, a ciência, as artes, a política.
Muitos começam a não aceitar o que lhes é dito. Muitos começam a não acreditar no que lhes é mostrado. E, como Sócrates em Atenas, começam a fazer perguntas, a indagar sobre fatos e pessoas, coisas e situações, a exigir explicações, a exigir liberdade de pensamento e de conhecimento.
Para essas pessoas, surge o desejo e a necessidade da busca da verdade. Essa busca nasce não só da dúvida e da incerteza, nasce também da ação deliberada contra os preconceitos, contra as idéias e as opiniões estabelecidas, contra crenças que paralisam a capacidade de pensar e de agir livremente.
Podemos, dessa maneira, distinguir dois tipos de busca da verdade. O primeiro é o que nasce da decepção, da incerteza e da insegurança e, por si mesmo, exige que saiamos de tal situação readquirindo certezas. O segundo é o que nasce da deliberação ou decisão de não aceitar as certezas e crenças estabelecidas, de ir além delas e de encontrar explicações, interpretações e significados para a realidade que nos cerca. Esse segundo tipo é a busca da verdade na atitude filosófica.
Podemos oferecer dois exemplos célebres dessa busca filosófica. Já falamos do primeiro: Sócrates andando pelas ruas e praças de Atenas indagando aos atenienses o que eram as coisas e idéias em que acreditavam. O segundo exemplo é o do filósofo Descartes.
Descartes começa sua obra filosófica fazendo um balanço de tudo o que sabia: o que lhe fora ensinado pelos preceptores e professores, pelos livros, pelas viagens, pelo convívio com outras pessoas. Ao final, conclui que tudo quanto aprendera, tudo quanto sabia e tudo quanto conhecera pela experiência era duvidoso e incerto. Decide, então, não aceitar nenhum desses conhecimentos, a menos que pudesse provar racionalmente que eram certos e dignos de confiança.
Para isso, submete todos os conhecimentos existentes em suas época e os seus próprios a um exame crítico conhecido como dúvida metódica, declarando que só aceitará um conhecimento, uma idéia, um fato ou uma opinião se, passados pelo crivo da dúvida, revelarem-se indubitáveis para o pensamento puro. Ele os submete à análise, à dedução, à indução, ao raciocínio e conclui que, até o momento, há uma única verdade indubitável que poderá ser aceita e que deverá ser o ponto de partida para a reconstrução do edifício do saber.
Essa única verdade é: "Penso, logo existo", pois, se eu duvidar de que estou pensando, ainda estou pensando, visto que duvidar é uma maneira de pensar. A consciência do pensamento aparece, assim, como a primeira verdade indubitável que será o alicerce para todos os conhecimentos futuros.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Documentário sobre o Ateismo

The Atheism Tapes (AS FITAS DO ATEISMO) é uma série de seis documentários para a TV produzida por Jonathan Miller para a Rede BBC, em 2004. Cada um dos seis episódios traz um expoente de determinada área do conhecimento para debater lucidamente questoes fundamentais do ateismo. Participam do documentário:

Colin McGinn (1950, West Hartlepool, Inglaterra) é um filósofo britânico.
Atualmente leciona na Universidade de Miami. McGinn também teve importantes funções no quadro docente da Oxford University e da Rutgers University. Tornou-se conhecido por seu trabalho sobre a filosofia da mente, embora tenha escrito sobre praticamente todos os tópicos da filosofia moderna. A principal das suas obras voltadas para o público em geral é a auto-biografia The Making of a Philosopher: My Journey Through Twentieth-Century Philosophy (2002, traduzido no Brasil como A construção de um filósofo).
Steven Weinberg (3 de Maio de 1933) é um físico estadunidense.
Recebeu em 1979 o Nobel de Física, por seu trabalho de unificação de duas forças fundamentais da natureza (o electromagnetismo e a força fraca, através da formulação da teoria da força electrofraca), em conjunto com os seus colegas Abdus Salam e Sheldon Glashow. Em 1991 foi agraciado com a National Medal of Science. Seu livro "Os três primeiros minutos" é um relato clássico do big-bang. É membro da Royal Society of London, da U.S. National Academy of Science, e recebeu numerosos títulos honorários, mais recentemente nas universidades de Columbia, Salamanca e Pádua.
Arthur Asher Miller (Nova Iorque, 17 de Outubro de 1915 — Roxbury, 10 de Fevereiro de 2005) foi um dramaturgo norte-americano. Conhecido por ser o autor das peças Morte de um Caixeiro Viajante (Death of a Salesman) e de The Crucible (pt - As Bruxas de Salem; br - As Feiticeiras de Salem), e por se ter casado com Marilyn Monroe em 1956. Morreu de insuficiência cardíaca crónica, com 89 anos, em Roxbury, Connecticut.
Clinton Richard Dawkins (Nairobi, 26 de março de 1941) é um eminente zoólogo, etólogo, evolucionista e popular escritor de divulgação científica britânico, natural do Quênia, além de professor da Universidade de Oxford.
Dawkins é conhecido principalmente pela sua visão evolucionista centrada no gene, exposta em seu livro O Gene Egoísta, publicado em 1976. O livro também introduz o termo "meme", o que ajudou na criação da memética. Em 1982, ele realizou uma grande contribuição à ciência da evolução com a teoria, apresentada em seu livro O Fenótipo Estendido, de que o efeito fenotípico não se limita ao corpo de um organismo, mas sim de que o efeito influencia no ambiente em que vive este organismo. Desde então escreveu outros livros sobre evolução e apareceu em vários programas de televisão e rádio para falar de temas como biologia evolutiva, criacionismo, religião.
Ele também defende e divulga correntes como o ateísmo, ceticismo e humanismo. Também é um entusiasta do movimento bright e, como comentador de ciência, religião e política, um dos maiores intelectuais conhecidos no mundo. Esses assuntos são retratados em "Deus, um delírio", livro de sua autoria que se tornou best-seller em vários partes do mundo. Através de diversos fatos científicos, Dawkins nos mostra sua idéia da inexistência de Deus. Em enquete realizada pela revista Prospect em 2005, sobre os maiores intelectuais da atualidade, Richard Dawkins ficou com a terceira posição, atrás somente de Umberto Eco e Noam Chomsky.
Por sua intransigente defesa à teoria de Darwin, recebeu o apelido de "rottweiler de Darwin" (Darwin's rottweiler), em alusão ao apelido de Thomas H. Huxley, que era chamado de "buldogue de Darwin" (Darwin's bulldog).
Daniel Clement Dennett (nascido em 28 de março de 1942, Boston, EUA) é um proeminente filósofo estadunidense.
As pesquisas de Dennet se prendem mormente à filosofia da mente (relacionada à ciência cognitiva) e da biologia. Dennet é ainda um dos mais proeminentes ateus da atualidade.
Para Dennett, os estados interiores de consciência não existem. Em outras palavras, aquilo que ele chama de "teatro cartesiano", isto é, um local no cérebro onde se processaria a consciência, não existe, pois admitir isto seria concordar com uma noção de intencionalidade intrínseca. Para ele a consciência não se dá em uma área especifica do cérebro, como já dito, mas em uma seqüência de inputs e outputs que formam uma cadeia por onde a informação se move. Um dos livros de Dennett é A Idéia Perigosa de Darwin.
Algumas partes deste documentário são bem complexas, pois fazem muitas alusões a outros pensadores. É preciso prestar bastante atenção e ter um acentuado interesse na área. Os episódios vêm em arquivos zip. É preciso baixá-los/salva-los todos primeiro no PC e depois assistir. Segue a fonte para downloads. Boa ascensão intelectual aos nobres interessados e aguardo os comentários.

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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O CONTRATO SOCIAL EM JEAN-JACQUES ROUSSEAU, monografia

INTRODUÇÃO


Quero indagar se pode existir, na ordem civil, alguma regra de administração legitima e segura, tomando os homens como são e as leis como podem ser (ROUSSEAU, 1987, p. 21).


Jean-Jacques Rousseau inicia a obra Do Contrato Social questionando se pode existir alguma forma de administração que seja segura para os homens como são e, partindo das leis, como podem ser. Com esta indagação ele se diferencia de outros autores, como Montesquieu, que no Espírito das Leis, apresentou-as como existentes antes dos homens. Rousseau parte da realidade do homem para pensar a lei. Para entender as teses centrais deste autor, esta monografia foi construída em três capítulos: breve contexto histórico do autor, constituição do pacto social e o problema da manutenção deste.
O primeiro capítulo apresenta parte do contexto histórico em que viveu o autor e um pouco de sua vida pessoal. Do ponto de vista intelectual, duas presenças influentes na obra de Rousseau foram os filósofos Dênis Diderot e David Hume. Estes, sem dúvida, ajudaram a construir as bases do seu pensamento político. Este primeiro capítulo situa a obra rousseauniana na linha do tempo de forma a possibilitar sua melhor compreensão.
Já o segundo capítulo introduz a compreensão do ato a partir do qual gerou o “pacto social”. Rousseau apresenta esta passagem de forma clara e objetiva. O “estado de natureza”, onde todos viviam antes do contrato, é uma suposição do autor, isto é, não tem registros históricos. Este pacto foi realizado para garantir a conservação da espécie humana e são vários os mecanismos que garantem a sua legitimação como, por exemplo, o poder da vontade geral, a constituição do soberano e a concepção das leis a partir de uma convenção.
O terceiro capítulo compreende as formas de governo e os mecanismos de manutenção do Estado. Rousseau afirma que a forma de governo deve ser escolhida a partir do povo a ser governado. Para ele, a lei e a segurança do povo devem ser observadas acima de tudo, mesmo quando o Estado corre o risco de se degenerar.
Como o nosso objetivo foi apresentar as idéias centrais do Contrato Social, e não a obra por inteira, não se fez necessário trabalhar todos os aspectos contidos no texto, pois as partes de maior relevância estão contidas nesta monografia. Apesar de Rousseau ter vivido três séculos antes de nosso tempo, podemos identificar alguns aspectos da sua teoria que fizeram a sociedade perseverar até a atualidade como, por exemplo, a necessidade de certas convenções que justificam a nossa vida em comum.

CAPÍTULO 1
ROUSSEAU: UM PERCURSO INTELECTUAL

Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, na Suíça, em 28 de junho de 1712. O pai, Isaac Rousseau, filho de uma dinastia que viera de Paris e da Sabóia e se refugiou na cidade de Calvino durante as guerras religiosas na França do século XVI, é um artesão e a mãe, Suzanne Bernard, morre no momento do parto. Durante muito tempo, pai e filho, em uma espécie de veneração, liam diariamente romances que ela deixou. Estes romances foram lidos rapidamente, mas deixaram marcas profundas na personalidade de Jean-Jacques. Sete anos depois, pai e filho liam os livros da biblioteca do pai de Suzanne, onde encontraram outros tipos de obras: História da Igreja e do Império, de Le Suer; Discurso sobre a História Universal, de Bossuet; Homens Ilustres, de Plutarco; Metamorfoses, de Ovídio; Os Mundos, de Fontenelle; e algumas peças de Molière. Isaac, após se desentender com um capitão da polícia e ser acusado injustamente de desembainhar a espada dentro da cidade, ao ser procurado para ser preso, expatria-se e sai da vida de Jean-Jacques para sempre. Isso influencia a vida do filho fortemente.
Confiado primeiro a um pastor calvinista e depois a um tio, Jean-Jacques recebeu uma educação desordenada. Foi para Bossey a fim de estudar com o ministro Lambercier. A estada em Bossey estendeu-se até 1724, quando Rousseau completou doze anos de idade. Neste ano voltou à genebra, onde passou dois ou três anos. Após várias tentativas desastrosas de aprender algumas profissões, volta-se aos prazeres da leitura. Aluga vários livros de uma senhora chamada La Tribu. Em pouco tempo esgota toda a biblioteca dela. Outro de seus prazeres era caminhar no campo, fora dos muros da cidade. Entregava-se tão completamente a natureza que acabava esquecendo-se de voltar. Em certo dia ao retornar deste passeio e encontrar os portões da cidade fechados, decide ir embora do vilarejo e dá início a uma nova etapa de sua vida. Em 15 de março de 1728 deixou Genebra, e logo transferiu-se para Les Charmettes, nas proximidade de Chanbéry. Passou a residir na casa de Madame de Warens, que foi para ele mãe, amiga e amante. Posteriormente ela o enviou à Turim, onde havia um asilo destinado a catecúmenos. Este lugar causou más impressões no jovem Rousseau, mas não havia outra saída a não ser a de representar o papel de catecúmeno. Após ser declarado converso, deixa o catecumenato e vai em busca de novas aventuras. Logo se vê diante de dificuldades e é obrigado a procurar trabalho. Entre os serviços prestados, foi empregado do conde de Gouvon. Envolveu-se com a nora de seu patrão e estudou latim com o filho deste, que era padre e o obrigou a ler as obras de Virgílio.
Após um tempo, resolve voltar a companhia da sra. Warens, a quem ajuda em trabalhos de medicina e alquimia e novamente lê muito: Puffendorf, Saint Evremond, a Henríada de Voltaire, Bayle, La Bruyere e La Rochefoucault. Estuda música e esforça-se por decifrar as cantatas de Clérambault. A sra. Warens resolve enviá-lo para um seminário para melhorar os conhecimentos de latim. Em 1740 tornou-se preceptor de dois filhos do Sr. de Mablay e fracassou completamente. A experiência o impulsionou a escrever um Projeto de Educação de M. De Sainte-Marie dando início a futura grande obra pedagógica que seria o Emílio. Em 1742, estabeleceu-se em Paris, onde estreitou amizade com o filósofo Condillac (1715-1781) e com Dênis Diderot (1713-1784) e os enciclopedistas. Não acostumado com a vida nos salões, não se sentia a vontade na Paris culta, inquieto e insatisfeito por ser recém chegado, humilde preceptor e caixeiro na casa Dupin. O conflito entre seu eu profundo e o mundo circundante aguçou-se a ponto de explodir na condenação daquele mundo e daquela cultura, em nome da natureza, que lhe reservara as alegrias mais belas e inesquecíveis.
Em 1750, a partir de um concurso da Academia de Dijon, que trazia por interrogação “O Progresso das ciências e das artes contribuiu para a melhoria dos costumes?”, Rousseau produz o primeiro escrito o qual tem por título: Discurso sobre as Ciências e sobre as Artes, e que levou o prêmio de melhor produção.
Em 1754 Jean-Jacques volta à Genebra e abraça novamente a fé calvinista. Em 1755, escreve o verbete Economia Política para a Enciclopédia. No mesmo ano, publica o Discurso sobre a origem da desigualdade. Nesse meio tempo, ele se unira a uma mulher rude e inculta, que, no entanto, sempre esteve perto dele e com a qual teve cinco filhos. Ele os confiou todos, um após o outro, a ordem dos religiosos Enfrates Trouvés, por sentir-se fraco e pouco dotado de bens econômicos para a educação. Devido ao peso em sua consciência, que carregou por muito tempo, desculpava-se dizendo que tomara tal decisão para não ser desviado de seus compromissos culturais e porque, como havia ensinado Platão, a educação das crianças cabe ao Estado. Neste período aproximou-se de personalidades importantes e colaborou na Enciclopédia com uma série de artigos sobre música, depois reunidos no Dictionnaire de Musique. No ano de 1758 rompeu suas relações com os enciclopedistas, por uma divergência substancial de avaliação em relação a sociedade da época e, mais profundamente, em relação a história humana e seus produtos.
Nesse meio tempo, havia se retirado para Ermitage de Montmorency, onde habitou em uma casa de senhora d'Epinay. Aqui se ligou sentimentalmente com a cunhada dela, madame d'Hondetot, e acreditou poder realizar o sonho de pôr de acordo os Philosophes com os Tradicionalistas. Contudo, por várias razões, o resultado foi a ruptura com Diderot e d'Holbach. Rompida as relações também com senhora d'Epinay, Rousseau se transferiu para o castelo de Marechaul de Luxemburg, onde viveu um período fecundo. Em 1761 publicou a Nouvelle Héloise, em 1762 Le Contrat Social e, em 1763, o Emíle. Estas duas últimas obras foram condenadas pelas autoridades civis e eclesiásticas de Paris e Genebra, por serem consideradas altamente ofensivas às autoridades. Aqui se inicia o período mais crítico da vida de Rousseau: mal interpretado pelas autoridades e pela opinião pública, após ter um mandado de prisão contra ele, obriga-se a deixar a França. Rejeitou seus direitos de cidadão genebrino e se transferiu para Mitiers-travers, território de Reuchlínico. Aí escreveu alguns trabalhos polêmicos, entre os quais Les lettres écrites de la montagne, em resposta às Cartas escritas do campo, que Tronchin havia escrito em defesa da atitude político-cultural genebrina. Manifesta-se também aqui alguns motivos de hostilidade a seu respeito, porque era figura incômoda e polêmica para todos. Em razão da sua não aceitação por seus compatriotas, ele aceitou o convite do filósofo David Hume (1711-1776) e foi para a Inglaterra. Entretanto, a relação entre ambos não durou muito. Em 1767, volta à França com um nome falso. Instalou-se em Paris, numa modesta casa da rua Platière, onde dedicou-se a completar as Confessions e escreveu os Dialogues ou Rousseau, juge de Jean-Jacques, e as Rêveries du promeneur solitaire. Casa-se com Thérèse Levasseur e procura se defender das acusações feitas contra sua pessoa, em uma carta que circulava em Londres, assinada por Frederico II (1712-1786), na verdade escrita por Horace Walpole (1717-1797).
Vale destacar que Jean-Jacques, procurava a todo custo, se defender de perseguidores imaginários. Embora haja evidências de que ele realmente tinha sofrido a interferência externa em sua vida. Imaginária ou não, Rousseau acreditava numa constante perseguição e por várias vezes, em praça pública e em salões, lia extratos das Confissões tentando se explicar e defender-se. Confiou o Essai sur l'irigene des langues, ao amigo Paul Moultou, para que cuidasse de sua publicação. Em 1768, compôs o Projeto de Constituição para a Córsega e em 1772 as Considerações sobre o governo da Polônia. Escreve também as obras de caráter autobiográfico, entre as quais se destaca as famosas Confissões. Jean-Jacques Rousseau faleceu no dia 02 de julho de 1778 em Ermenonville.
Com relação a obra estudada nesta monografia, o Contrato Social, faz-se necessário alguns dos seus aspectos. De acordo com Lourival Gomes Machado, que faz a introdução do livro o Contrato Social, de Jean-Jacques Rousseau e cita a obra As Confissões deste último, temos nas próprias palavras de Rousseau que:
O Contrato Social imprimia-se com bastante rapidez. O mesmo não acontecia com Emílio, cuja publicação eu esperava para efetivar o descanso que planejara. De tempos em tempos, Duchesne enviava-me modelos de composição para escolha; quando eu escolhia, em lugar de começar o trabalho, enviava-me novos modelos. Quando, enfim, chegamos a um bom entendimento acerca do formato e do tipo, havendo já muitas folhas impressas, ele, por causa de uma pequena modificação minha nas provas, tudo recomeçou – ao fim de seis meses estávamos mais adiantados que no primeiro dia (MACHADO, 1987, p. 3).
Jean-Jacques desejava ter no Emílio uma espécie de termo conclusivo de suas idéias sobre educação e, ao mesmo tempo, um preanuncio do Contrato Social. Planejou tão certamente, que incluiu no resumo do Emílio as idéias centrais que anunciavam a nova obra. Esta atitude teve a intenção de firmar bem claramente a importância capital do conhecimento da vida política no estudo do homem. A demora dos editores de Emílio e a rapidez de Rey, a quem fora confiado o Contrato Social, frustraram-lhe o seu plano. Em abril de 1762 termina a publicação do Contrato Social, alguns dias antes de Emílio. Rousseau, nos seus cinqüenta anos, já era um escritor célebre, pois fazia um ano que a Nova Heloísa, havia lhe dado a glória do mais intenso interesse público. De acordo com Lourival G. Machado ao citar as palavras de Rousseau sobre o Contrato Social temos:
Das várias obras que tinham no estaleiro, aquela sobre a qual meditava havia muito tempo, de que me ocupava com mais gosto, na qual desejaria trabalhar toda a vida e que deveria, segundo acreditava, selar minha reputação, eram minhas Instituições Políticas. Havia treze ou catorze anos que concebera a primeira idéia, quando, estando em Veneza, encontrara ocasião de observar os defeitos desse governo tão louvado. Depois disso, muito se ampliaram minhas vistas pelo estudo histórico da moral (MACHADO, 1987, p. 4).
Ao contrário do Discurso sobre as ciências e sobre as artes, o Contrato social amadureceu lentamente. No ano de 1743, em Veneza, surge a primeira idéia. A concepção política de Rousseau dependia do progresso que fazia no estudo histórico da moral. Entre 1750 e 1753 houve uma primeira redação do plano. O Discurso sobre a desigualdade (1753) trouxe um grande progresso e mesmo uma re-elaboração das idéias anteriores expostas no Discurso Sobre as Ciências e as Artes. Existem semelhanças em muitas partes e compreende na última parte um resumo dos principais problemas do Contrato Social. A Dedicatória de 1754 apresenta claramente as idéias centrais do futuro tratado. O artigo sobre a Economia Política (1755) traz, pela primeira vez, a teoria da “Vontade Geral”, idéia central de todo o Contrato, enquanto a carta à Voltaire, de 18 de agosto de 1766, ficaria reservada a tarefa de resgatar perspectivas básicas acerca da relação entre a Lei e a Liberdade (MACHADO, 1987, p. 4).
O Manuscrito de Genebra, de certa forma, foi um esboço do Contrato Social. Esta obra é um manuscrito que foi encontrado na biblioteca de Genebra no ano de 1882 e que continha uma versão do Contrato Social e alguns fragmentos da Economia Política. Este texto não é um rascunho do Contrato, mas uma verdadeira versão passada a limpo e cuidadosamente corrigida, que representa o pensamento político de Rousseau em determinada altura de sua vida. Pode ser anterior a Economia Política e parece começado em 1751, mas quase certamente se completou na ocasião da viagem de Rousseau a Genebra em 1754. O texto, tal como foi descoberto, mostra-se fragmentário, só contendo a metade da versão definitiva do Contrato. Embora pareça que Rousseau o redigiu inteiramente, foi perdido acidentalmente. Tal como hoje o conhecemos, compreende uma versão que alcança os dois primeiros livros do Contrato, mais o capítulo I do livro III. Houve, contudo algumas modificações: o capítulo inicial do Manuscrito cedeu lugar à introdução do Livro I que, na versão definitiva, define o objeto da obra; o segundo capítulo, bastante extenso e versando sobre a Sociedade Geral do Gênero Humano, foi suprimido; o terceiro capítulo do manuscrito desdobrou-se nos capítulos I, VI, VII, VIII e IX do livro I do Contrato Social, enquanto os capítulos II, III, IV e V correspondem ao quinto capítulo do manuscrito. Estas definições ocorreram através de estudos feitos por especialista por ocasião do segundo centenário (1912) e publicado em Cambridge (1915) e Manchester (1917), dos Escritos Políticos e do Contrato Social na edição de C. E. Vaughan, que é considerada definitiva (MACHADO, 1987. p. 5). Segundo Lourival G. Machado, Rousseau escreve nas Confissões que:
Tinha ainda duas obras no estaleiro. A primeira eram minhas Instituições Políticas. Examinei o estado desse livro e concluí que exigiria ainda muitos anos de trabalho [...] resolvi tirar o que pudesse destacar, depois de queimar todo o resto e, desenvolvendo zelosamente este trabalho sem interromper o do Emílio, dei, em menos de dois anos, a última demão no Contrato Social (MACHADO, 1987, p. 5).
O Contrato Social nasceu de uma longa e amadurecida reflexão, praticada durante toda a vida intelectual deste autor. Mesmo com a redução no plano inicial, a parte que foi perdida no acidente, a obra não perdeu seu caráter substancial. As Instituições Políticas, além de uma primeira parte acerca da natureza e funcionamento do poder político do ponto de vista interno, ou seja, das relações entre Estado e cidadão, deveria conter uma segunda parte destinada ao exame do poder em suas relações exteriores, isto é, das relações entre Estados. A matéria que se preservou no Contrato é a essencial e fundamental, cuja compreensão não depende, efetivamente, da apresentação da obra completa, as Instituições Políticas, as quais foram partes perdidas. Entre todas as produções de Rousseau, o Contrato Social merece preferência, não só pelos sentimentos do autor, mas por revelar o intuito de construir um caso singular. Pois na produção feita de romances filosóficos, cartas polêmicas, e discursos acusatórios, todos apresentados numa linguagem cadente, impiedosa e por vez até áspera, surge como um verdadeiro tratado redigido num estilo que é “sóbrio, amargo e forte” em que pesam os percalços passionais oferecidos pelo temperamento apaixonado do autor.
Como o Contrato Social foi produzido em um longo período de tempo, não se podem delimitar todas as influências recebidas. Rousseau é o primeiro a apresentar uma referência em seu pensamento. O Marquês d' Argenson [registrado como “m. d'A” numa nota do capítulo VIII do livro IV], por ocasião das Considerações sobre o Governo Antigo e Presente da França. Outro caso, Maquiavel, em cujas obras todas, mas em especial na obra O Discurso sobre a Primeira Década de Tito Lívio, Rousseau se vale com liberalidade. Ainda, o caso de Sigonius, de cuja obra Legibus Romanis terá saído, diretamente quando o Contrato diz do sistema político de Roma nas notas do livro III e nos sete capítulos iniciais do último livro. Não se podem delimitar literalmente todas as fontes citadas ou implícitas no pensamento de Rousseau. Todavia, se quisermos estabelecer um rol das principais fontes do Contrato, daqueles autores que Rousseau foi buscar estímulo doutrinário para o desenvolvimento de seu próprio sistema, corre-se o risco de estender-se sem um limite certo. Obra fartamente amadurecida, pacientemente revista, um livro destinado a apresentar a suma de toda uma vida intelectual e o coroamento de uma obra variada e complexa, o Contrato Social é, praticamente o inteiro pensamento de Rousseau. Todas as experiências vividas pelos autos podem ser consideradas como fontes de suas obras, a contar até os evangelhos propiciados logo na infância pelo protestantismo de Genebra.
Os jurisconsultos Grotius e Pufendorf representavam o melhor da cultura jurídica do tempo e a eles atirou-se Rousseau para adquirir conhecimento, sem o qual não chegaria a dominar os problemas do Estado. Porém soube fazer uma leitura crítica destes autores ao invés de permanecer na humildade de estudioso. Em Grotius, repele método e doutrina e, se Pufendorf fornece-lhe preciosas informações, nem por isso concorda com seus princípios e conclusões. Quanto a Burlamaqui, muita pouca influência estabeleceu sobre o pensamento rousseauniano. Cabe afinal assinalar o nome de Johannes Althusius, o autor da importante Politica Methodice Digesta (1603), que por muito tempo foi ignorado pelos historiadores das idéias políticas. Otto Von Gierke, que recuperou sua memória e sua doutrina, foi o primeiro a exercer uma influência direta no pensamento de Rousseau. Uma frase do Contrato - “Tem muita razão aqueles que pretendem não ser um contrato, em absoluto, o ato pelo qual um povo se submete a chefes.”(I.III, c.I) – parece tirada diretamente de Althusius e, se assim for, Rousseau terá tido a felicidade de encontrar, entre os velhos tratadistas, ao menos um, disposto, como ele, a negar os pretensos direitos superiores dos reis (MACHADO, 1987, p. 7).
Existe um segundo grupo de escritores que influenciaram Rousseau. Podemos nos fixar em três nomes: Thomas Hobbes, Montesquieu e John Locke. A força destes três pensadores fez-se sentir, de forma decisiva, nas preocupações de quem não estava querendo equiparar-se. Em cada um deles, Rousseau, soube aproveitar o que era fundamental e criticar o que tinha de fragilidade. Em Hobbes, sentiu a necessidade de conceber o poder do Estado como absoluto, mas repeliu com veemência o sacrifício da liberdade do homem. Em Locke, contrariamente, aproveitou muito das formulações destinadas a preservar a pessoa livre, mas soube ver o defeito deste individualismo que prejudicava a exata definição da realidade estatal. Em Montesquieu, preservou-se com tanta capacidade de análise e poder de síntese que bastou a verificação de como os povos de fato se governam, sem importar em saber se esses governos eram ou não legítimos. Embora tenha sido influenciado por diferentes autores e tenha procurado fazer uma síntese destes, Rousseau, alcançou a condição de pensador capacitado a formular por conta própria um esquema em que, interligando substancial e vitalmente a liberdade e a lei, acabou por definir a legitimidade do poder político.

CAPÍTULO 2
CONSTITUIÇÃO E APLICAÇÃO DO CONTRATO SOCIAL

Segundo Rousseau, a família é a sociedade mais antiga e mais natural, pois esta tem todas as características de sua convenção, onde todos se unem para ter uma proteção maior. Desta forma, os filhos se prendem aos pais somente enquanto necessitam de apoio, após cessar a dependência, eles se encontram livres para viver a vida independentemente. Em alguns casos, onde permanecem unidos, constitui um caso particular. Rousseau apresenta ainda a família como modelo das sociedades políticas: o chefe é a imagem do pai; o povo, a dos filhos, e todos tendo nascido iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito próprio (ROUSSEAU, 1978, p. 24). A diferença consiste no fato de que, na família o amor do pai justifica o cuidado que este dispensa para com os filhos e na sociedade política o prazer de mandar explica tal ato. Neste aspecto Rousseau faz uma crítica a Grotius, onde em O Direito da Paz e da Guerra este último mantém inabalável o prestígio do Soberano, onde povo é governado em beneficio do Estado.
No estado de natureza os seres humanos viviam todos protegidos por sua própria força, por guarda individual. Este estado de natureza representa o ideal de humanidade, originariamente íntegra e biologicamente sadia. E, mau e injusto apenas sucessivamente, por um desequilíbrio da ordem social. Vendo que pereceriam, optaram por ajuntarem suas força particulares e formar um todo associado. Este estado lhes era favorável, todavia a associação veio pela necessidade de conservação. Ao ato de unirem suas forças, Rousseau chama de Pacto Social ou Contrato Social, que tem o mesmo significado. Sendo que
Os homens não podem engendrar novas formas, mas somente unir e orientar as já existentes, não os tem outros meios de conservar-se senão formando, por agregação, um conjunto de forças, que possa sobrepujar a resistência, impelindo-as para um só móvel, levando-as a operar em concerto (Rousseau, 1987, p. 32).
Este Contrato Social proporcionaria a proteção da pessoa e dos bens de cada associado ao mesmo tempo em que permaneceria tão livre quanto antes. Ainda, unindo-se a todos, só obedece a si mesmo. A compreensão baseia-se onde “cada um põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção da vontade geral, e recebe, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo”. A vontade geral não é, portanto, a soma da vontade de todos os participantes, mas uma realidade que brota da renúncia de cada um aos próprios interesses em favor da coletividade. É, em outras palavras, o que há de comum em todas as vontades particulares. Esta é, contudo uma socialização radical do homem, de sua total coletividade, voltada a impedir a emergência e afirmação de interesses privados .
A este todo associado Rousseau afirma que antigamente se chamava de cidade, posteriormente de república e na sua época de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo, Soberano quando ativo e Potência em comparação com seus semelhantes. Os associados são chamados coletivamente de povo e em particular de cidadãos, quando participantes da autoridade do soberano, e súditos quando submetidos às leis do Estado.
O ato de associação exige do Estado um compromisso com o povo ao mesmo tempo em que o povo também tem compromisso, mas em dois sentidos: primeiro consigo mesmo em relação aos particulares e depois em relação ao Estado. Não se pode obrigar o Soberano em relação a si mesmo e nem este pode se comprometer, alienando-se a outro corpo político. Dessa forma perder-se-ia a integridade e se destruiria. Não há como ofender a parte sem atingir o todo e nem prejudicar o todo sem fazer sentir os membros. Daí a razão de os contratantes não poderem forjar outros pactos e nem o Estado se alienar a outro Soberano. Eis como o dever e o interesse obrigam igualmente as duas partes contratantes a se auxiliarem mutuamente, e os mesmos homens devem procurar reunir, nessa dupla relação, todas as vantagens que dela provém (ROUSSEAU, 1987, p. 35). Os cidadãos não podem procurar a realização somente de seus objetivos particulares pelo Soberano. É preciso a realização dos interesses da Vontade Geral.
A passagem do estado de natureza para o estado civil trás várias mudanças para o comportamento humano. Uma delas foi a substituição do instinto pela justiça e as ações passaram a ser dotadas de moralidade. Além da voz do dever tomar o lugar dos impulsos físicos e o direito o lugar dos apetites, outras mudanças são determinantes no comportamento do homem. A conduta racional passa a estar presente em suas ações e “suas faculdades se exercem e se desenvolvem, suas idéias se alargam, seus sentimentos se enobrecem”. O animal estúpido e limitado que era considerado o homem se tornou um ser inteligente. O que este perde com essa passagem, ganha em maior proporção em outros aspectos. Perde a liberdade natural e a possibilidade de alcançar tudo quanto almeja e ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo quanto possui. A única forma, segundo Rousseau, a tornar o homem senhor de si é por meio da moral, onde quem obedecesse cegamente a seus instintos tomaria a postura de escravo e quem obedecesse as leis estabelecidas pela vontade geral exerceria a liberdade.
O povo através do pacto social fica submetido ao soberano. Conforme já se viu anteriormente, o soberano é o conjunto de todo o povo ativo, ou seja, representante da vontade geral. A soberania, ou seja, o ato de reger as funções governamentais é inalienável. Um povo pode entregar o poder para um representante, mas segundo condições previas: pode transmitir somente o poder e não a vontade geral; não pode haver submissão por parte do povo; a ordem do representante escolhido precisa ser de acordo com a vontade geral. Da mesma forma a soberania é inalienável. Sua razão de ser é a vontade geral e esta jamais pode se dilacerar. Neste âmbito, Rousseau, critica a aplicação das teorias políticas de seu tempo, onde elas são divididas em força e vontade, em poder legislativo e poder executivo, em direitos de impostos, de justiça e de guerra, em administração interior e em poder de tratar com o estrangeiro (ROUSSEAU, 1987, p. 44). Por outro lado ele admite a divisão do Estado no que se refere às leis em três poderes: legislativo, executivo e judiciário.
Como se viu acima, o soberano, enquanto ativo, que comporta todos os direitos de seus súditos, tem para com estes compromissos e direitos. Pelo pacto social, todos se submetem completamente ao soberano, tanto a pessoa quanto os bens. Através deste ato, o soberano passa a ter poder absoluto sobre a pessoa e os pertences de seus súditos. Porém, com a existência da vontade geral, a ação deve partir de todos para se aplicar a todos, isto é, o soberano pode ter o poder sobre seus súditos, mas não o exercerá em totalidade, pois se fizesse isso seria ilógico e até imoral. Não faz sentido o Estado aplicar toda a sua força sobre parte de si, sobre um súdito. Ainda da mesma forma que a vontade particular não tem poder sobre a vontade geral, esta última também não pode aplicar sanções sobre o particular.
Rousseau chega a afirmar que é preciso uma inteligência superior para legislar, nas suas palavras: seria preciso deuses para tal função. Como se sabe esta linguagem, neste autor, tem um significado de caráter sobre-humano, ou seja, alguém dentro do coletivo que tenha condições superiores . Quanto a pessoa do legislador Rousseau afirma,
Quem ousa empreender a instituição de um povo deve sentir-se com capacidade para, por assim dizer, mudar a natureza humana, transformar cada indivíduo, que por si mesmo é um todo perfeito e solidário, em parte de um todo maior, do qual de certo modo, esse indivíduo recebe sua vida e seu ser; alternar a constituição do homem para fortificá-la, substituir a existência física e independente, que todos nós recebemos da natureza, por uma existência parcial e moral (ROUSSEAU, 1987, p. 57).
Em outras palavras, os indivíduos precisam se distanciar da condição de natureza, onde era cada um por si e encontrar o auge do coletivo social a que pertencem agora. Todavia, o legislador é um homem extraordinário no Estado. Porém, se este constituir as leis não poderá governar, se o fizer tornará o povo vítima de suas paixões. Somente, como se viu acima, a vontade geral pode aprovar as leis, ou mesmo construí-las, pois esta fará em beneficio da própria felicidade. A voz da vontade geral, reunida pelo legislador, torna-se lei.
Um legislador não constrói leis, simplesmente por si mesmas, antes ele observa o povo a que se destinam tais leis, pois pode este povo estar inapto para recebê-las. Um povo é mais dócil na juventude que na maturidade da vida dele. Quando já adultos, sequer admitem que sejam tocados em suas mazelas, na forma de viver de cada um ou coletivamente, guiados pelas paixões. Pode um povo nascer disciplinável, pode outro, tornar-se disciplinável somente depois de vários séculos. Ao legislador cabe grande atenção para com os destinatários de suas leis, em alguns casos eles são bárbaros e não adianta construir boas leis para governá-los. Segundo Rousseau, está apto para se submeter às leis quando,
Encontrando-se já ligado por qualquer laço de origem, interesse ou convenção, ainda não sofreu o verdadeiro julgo das leis; que não tem nem costumes nem superstições muito arraigadas; que não teme ser arrasado por uma invasão súbita; que, sem imiscuir-se das brigas entre seus vizinhos, pode resistir sozinho a cada um deles, ou ligar-se a um para expulsar o outro; aquele de que cada membro pode ser conhecido por todos e no qual não se está de modo algum forçado a sobrecarregar um homem com um fardo mais pesado do que possa suportar; o que pode viver sem os outros povos e que qualquer outro povo pode dispensar; o que não é nem rico nem pobre e pode bastar-se a si mesmo; enfim, aquele que une, à consciência de um povo antigo a docilidade de um povo novo (ROUSSEAU, 1987, p. 65).
Com o pacto social deu-se existência e vida ao corpo político e pela legislação movimento e vontade. Para Rousseau, toda justiça vem de Deus, é manifestação d’Ele. Como os cidadãos não a compreendem como tal, necessitam das leis. Também, no estado natural tudo era comum e ninguém tinha obrigações pré-fixadas para com os demais. No estado civil isto muda. Passa a ser necessário convenções e leis para unir os direitos e deveres. Segundo Rousseau, e isto pode ser entendido como uma crítica a Montesquieu, à obra Do Espírito das Leis, não se entende a essência da lei apenas com idéias metafísicas. É preciso que esta seja visada na realidade cotidiana dos cidadãos.
A vontade geral unida ao objetivo de todos estatui a lei para o povo. Porém, isso é verdadeiro somente se o povo estatuir para todo o povo, considerando somente a si mesmo, sem qualquer divisão do todo. A lei pode estabelecer casos particulares, como definir diversas classes sociais, mas não pode, de forma alguma, nomear este ou aquele individuo para qualquer classe social. Isto é, a lei não pode favorecer particulares. Ela precisa, em todas as instâncias, ancorar o coletivo e o direito igual a todos. Como se viu anteriormente, cabe ao legislador construir a lei e este precisa ser movido pela vontade geral.
Existem formas diferentes de aplicação da lei e faz-se necessário destacá-las. Para a relação do povo com o povo, do Soberano com o Estado existem as leis políticas e chamam-se também leis fundamentais. Neste caso, o povo tem pleno direito de mudá-las a qualquer momento se for necessário e consenso entre a maioria e não há quem possa impedi-lo. Outra forma de relação da lei é a estabelecida pelos componentes do Contrato Social entre si. Aqui todos os membros do pacto social têm total independência em relação aos outros e uma forte dependência no que tange ao Estado . A terceira forma de relação é a entre os homens e a lei. Neste ponto surgem as desobediências e também as leis criminais. Àqueles que não conseguem entender o espírito, o significado da lei, deixa de cumpri-la e trás para si as sanções necessárias para a correção, para a reeducação. Por fim, a última forma de aplicação da lei, e esta segundo Rousseau é a mais importante, pois “não se grava no mármore, nem no bronze, mas nos corações dos cidadãos; que faz a verdadeira constituição do Estado; que todos os dias ganham novas forças; substitui a força da autoridade pelo habito” (ROUSSEAU, 1987, p. 69). Esta forma liga-se bastante aos usos e costumes. A parte prática da moral e representa a verdadeira essência de um Estado.

CAPÍTULO 3
AS FORMAS DE GOVERNOS E OS MECANISMOS DE MANUTENÇÃO DO ESTADO


Viu-se, no capitulo anterior, que pelo pacto social deu-se existência e vida ao corpo político e pela legislação movimento e vontade. Pois bem, legislar é um direito e dever do povo, ninguém senão ele pode fazê-lo. Agora, executar as leis, a constituição do poder executivo já não deve ficar nas mãos de muitos, segundo Rousseau, por constituir um caráter particular. Esta “ponte” entre os súditos e o soberano é feita pelo governo. Este é encarregado da execução das leis e da manutenção da liberdade, tanto civil quanto política. “Os membros desse governo chamam-se magistrados ou reis, isto é, governantes e o corpo em seu todo recebe o nome de príncipe” (ROUSSEAU, 1987, p. 74).
Governo significa a ação, o exercício da função executiva, enquanto que magistrados e príncipes são as pessoas particulares que exercem a ação, que compõe o governo. Este recebe as ordens do Soberano e passa para o Povo, para que o Estado permaneça em equilíbrio. Se um integrante deste círculo faltar com as devidas responsabilidades, estabelecer-se-á o caos, a anarquia. Neste sentido “o Estado existe por si mesmo e o Governo só existe pelo soberano. A vontade dominante do príncipe só é, ou deveria ser, a vontade geral ou a lei, a sua força não é senão a força pública nele concentrada” (ROUSSEAU, 1987, p. 78).
Quanto a divisão dos governos, Rousseau a apresenta em três escalas: a Democracia, a Aristocracia e a Monarquia. Ele afirma que não é conveniente para quem faz as leis, também executá-las. Se assim se fizer, as inclinações e paixões o corromperão e correr-se-á o risco de os objetivos particulares, interferirem nos negócios públicos. A partir daí, nunca existiu ou existirá uma democracia plena. É contra a natureza o maior número de pessoas governarem a minoria. Caso isto acontecesse, por entre o grande número, surgiria um pequeno, com espíritos mais preparados, que tomaria frente nas obrigações. A democracia pode ser possível em um grupo pequeno de cidadãos, onde todos conhecem a todos e não existem questões complexas para serem discutidas. Seria aplicável às pequenas aldeias, onde facilmente podem ser realizadas assembléias para decidir as questões públicas. Ainda assim, teria certo grau de complicação.
Existem três espécies de Aristocracia. A primeira é a natural, onde as sociedades primitivas eram governadas pelos chefes de família. Com a evolução do tempo e o desenvolvimento das desigualdades sociais e diferenças econômicas fez-se surgir a aristocracia eletiva. E por último, assim como os bens eram hereditários o poder também passou a ser. Para Rousseau, a primeira aristocracia (natural), convém aos povos simples e a terceira (hereditária) é a pior forma de todos os governos. Somente a segunda, a aristocracia eletiva, é a melhor forma de governo. Sobre esta Rousseau afirma:
As assembléias reúnem-se mais comodamente, os negócios melhor se discutem e se e xecutam com maior ordem e presteza; o crédito do Estado mais bem se firma no estrangeiro por intermédio de senadores veneráveis do que por uma multidão desconhecida ou desprezada (ROUSSEAU, 1987, p. 87).
Um grupo escolhido governa melhor os interesses da sociedade que uma multidão de pessoas. A aristocracia tem com característica específica a moderação entre os ricos, onde estes são protegidos e o contentamento entre os pobres para que sintam-se bem com a situação em que eles estão. Desta forma, não seria possível estabelecer uma igualdade rigorosa entre todos. Porém, também não se compreende o sentido aristocrata aristotélico, onde os ricos eram sempre os preferidos. Aqui o mérito estaria à frente na hora da escolha de um membro do governo.
A Monarquia constitui-se em o príncipe como uma pessoa moral e coletiva, unida pelas forças das leis e depositária, no Estado do poder executivo. O que seria considerado nos outros governos como um grupo de pessoas, formando um governo, aqui se tem uma única pessoa representando estas várias e que agrega todo o poder através do direito de dispor dele por leis. Sobre o monarca Rousseau escreve:
A vontade do povo, a vontade do príncipe, a força pública do Estado e a força particular do governo, corresponde todas ao mesmo móvel; todos os recursos da máquina estão na mesma mão, tudo se dirige para o mesmo objetivo (ROUSSEAU, 1987, p. 88).
Diferentemente da democracia, a monarquia funciona somente em Estados maiores, com maior número de cidadãos. Por outro lado, é difícil que um grande Estado seja bem governado. Esta antítese se explica pelo fato de a distância entre o príncipe e os súditos ser grande. O mesmo não acontece na aristocracia, pois nela os governantes são eleitos, são escolhidos homens esclarecidos e capazes. Isso não acontece na monarquia devido o rei normalmente chegar ao poder por outros motivos aquém de sua capacidade.
Rousseau afirma que o estado monárquico, para ser bem governado, a extensão do reinado deveria ser do tamanho da capacidade das faculdades de quem o governa. Os reis talentosos conquistariam mais espaço através de sua monarquia.
Outro problema seria a transmissão do poder. Quando um rei morre o intervalo para a nomeação de um novo, geraria desordem. A sucessão hereditária acaba com este problema, mas trás outro: o da falta completa de capacidade de governar de alguns herdeiros. A crítica de Rousseau gira toda em torno das habilidades administrativas dos reis, mas reconhece-os como forma de governo legítimo e afirma a necessidade de suportá-las na ausência de um governante melhor.
Desde o início da exposição sobre as espécies de governo, Rousseau afirma que sua adoção por um povo depende de cada caso e das circunstâncias. Cada Estado, sua extensão, o povo que nela vive e a tradição definem qual a forma de governo mais conveniente. Quanto aos governos mistos, Rousseau não os reconhece com legítimos, mas são válidos por terem suas características específicas. Faz-se necessário afirmar que esta forma de governo, em Rousseau, não é a mistura das três espécies de governo apresentadas anteriormente, mas, sim, a interação entre governo e povo soberano.
Não há, pois, uma formula exata para encontrar o melhor governo, já que isto depende da satisfação de quem é governado. Quanto à dissolução do Estado, esta tem duas fontes: 1) sempre que o Governo se contrai, diminui o número de representantes e isto pode gerar uma degeneração; 2) Quando o príncipe usurpa o poder e passa a governar segundo os seus interesses próprios isso também pode dissolver o Estado. Nestes dois casos o pacto social é desfeito e o Estado é dissolvido.
Ainda o Estado pode ser dissolvido em qualquer espécie de governo chegando ao estado de anarquia. Segundo Rousseau, a democracia degenera em oclocracia, isto é, governo do populacho ou da ralé. A aristocracia em oligarquia, governo de poucos e a monarquia em tirania, o uso da violência e o abandono da justiça e das leis. Todavia, para Rousseau, por mais poderoso e bem constituído que seja o Estado, um dia ele se acabará. Foi assim com Roma e Esparta e não poderia ser diferente em outros casos. O que mantém um Estado unificado é o poder legislativo. Este poder é o coração do Estado e se deixa de funcionar, todo o restante pára.
Segundo Rousseau, a ruína de um Estado começa quando seus membros, ao invés de exercerem sua cidadania, elegem representantes. Preferem os negócios particulares e os ganhos individuais. Sob um mau governo, o povo não se reúne em praça pública, acabando por perder o interesse pelas questões políticas. Quanto ao aspecto prático e concreto do Estado, este se divide em dois âmbitos: o estabelecimento e a execução da lei. Essa lógica constitui o governo.
A forma da instituição do governo dá-se da seguinte maneira: pelo estabelecimento da lei estatui a existência de um corpo de governo e pela execução da lei o povo indica os componentes que irão integrar este governo. Para que isso aconteça, o povo, que antes era súdito ou soberano passa a exercer a função de magistrado. Este povo pode escolher segundo Rousseau, o governo que o conduzirá baseado no contrato social.
Quanto a vontade geral, esta é indestrutível. Em um governo bem constituído, onde as necessidades de todos são atendidas, a vontade geral é exercida plenamente. Para o autor, ela anula-se
Quando o liame social começa a afrouxar e o Estado a enfraquecer, quando os interesses particulares passam a se fazer sentir e as pequenas sociedades a influir nas grandes, o interesse comum se altera e encontra opositores, a unanimidade não mais reina nos votos, a vontade geral não é mais a vontade de todos, surgem contradições e debates e o melhor parecer não é aprovado sem disputa (ROSSEAU, 1987, p. 118).
Para Rousseau, a vontade geral não deixa de existir mesmo nos casos de corrupção. Neste caso ela é somente anulada ou ignorada.
É através do sufrágio, que os acordos nas assembléias chegam a unidade e por meio deste se tem a representação da vontade geral. A eleição através do sufrágio é a forma de escolha dos governos que passam a representar a vontade geral em nome da assembléia.
Rousseau chama de tribunato o órgão que conserva as leis e o poder legislativo. Segundo ele, este órgão serve, algumas vezes, para proteger o soberano, contra o governo, como em Roma faziam os Tribunos do Povo; outra vez, para sustentar o governo contra o povo, como Veneza fazia com seu Conselho dos Dez (ROUSSEAU, 1987, p. 132). Vale ressaltar que o tribunato não pertence nem ao poder executivo nem ao legislativo. Sendo assim, ele pode interferir na defesa de qualquer lado sem comprometer suas partes.
A ditadura pode chegar quando a inflexibilidade das leis conduzirem ao aniquilamento do Estado. Todavia, para salvar o Estado, pode-se nomear um homem que suspenda a validade das leis, mas esta nomeação precisa ser temporária, até que o este Estado retome seu poder. Esta é uma medida extrema e dificilmente vista na prática, mas proposta por Rousseau como aceita no Contrato Social.
Rousseau conclui o Contrato Social falando da religião civil. Para ele, ela é uma espécie de instituição que pode existir junto do Estado, mas não pode interferir na obediência que os cidadãos devem as leis. É possível entender aqui que Rousseau queira defender o conteúdo ético e moral da sociedade, dando valor a existência e permanência da religião na vida do povo. E também neste aspecto percebe-se que para Rousseau, o Estado está acima da religião do povo, pois se algum ritual interferir na segurança deste, esta deve ser suspendida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebeu-se, através da construção desta monografia, que Rousseau ao questionar o porquê do homem viver em sociedade e abrir mão de sua liberdade, buscava compreender a lógica que regia a sociedade contemporânea a ele. A conclusão a que chegou foi de que os homens, para se conservarem, se uniram e formaram um conjunto de forças com um único objetivo de fundar um pacto social. Para que este perpetuasse tornou-se necessário teorizar os aspectos e maneiras de geri-lo.
As pessoas e os bens, a partir do contrato social, são protegidos e, para que isso aconteça, cada membro, unindo-se aos outros, obedece somente a si mesmo, conservando a sua liberdade. Rousseau diz que a liberdade está intrínseca na lei livremente aceita. Para ele, obedecer aos impulsos é escravidão, mas guiar-se por leis postas por si mesmo é liberdade.
O Contrato Social, ao considerar que todos os homens nascem livres e iguais, vê o Estado como objeto de um contrato no qual os indivíduos não renunciam aqueles direitos naturais, pelo contrário, através deste ato os protegem. O Estado tem o dever de proteger os direitos naturais de cada individuo.
A vontade geral é representada no Estado. Esta vontade não é o agrupamento de todas as vontades, mas o que há de comum entre todas. O povo ao mesmo tempo em que tem a função de integrante do Soberano, assume o papel de súdito. Este povo é cidadão ao conceber a vontade geral e súdito ao obedecê-la.
No momento em que o povo estatui algo para todo o povo, cria-se uma relação. A matéria e a vontade que formam o estatuto são gerais, e a isso Rousseau chama de lei. Todo Estado regido por leis pode ser uma república ou mesmo uma monarquia. As leis são criadas pelo povo e reunidas pela figura de um legislador.
O Contrato Social propõe um Estado ideal, resultante do consenso, e que garanta os direitos de todos os cidadãos. Neste livro Rousseau procura um Estado social legítimo, próximo da vontade geral e distante da corrupção. A soberania do poder deve estar nas mãos do povo, por meio do corpo político dos cidadãos. Segundo Rousseau, o homem nasce bom e a sociedade o corrompe. Esta afirmação mostra que ele soube claramente o que é um contrato social entre as pessoas e as conseqüências de tal ato.
Entende-se certamente que os seres humanos estão em sociedade porque estão ligados por um pacto, um contrato que funda o a partir de princípios e deveres a serem cumpridos e que são conservados não apenas de forma particular, na individualidade, mas de forma coletiva, onde todos os cidadãos tenham direitos e deveres iguais sem nenhuma distinção.

BIBLIOGRAFIA

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