• “Adianto aos leitores de meu blog, que ele deve ser lido pausadamente, é de que não conheço a arte de ser claro para quem não deseja ser atento."

  • "Se você tivesse acreditado nas minhas brincadeiras de dizer verdades, teria ouvido muitas verdades que insisto em dizer brincando... Falei, muitas vezes, como um palhaço, mas nunca desacreditei da seriedade da plateia que sorria." Charles Chaplin

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

"Somos Cegos Que Vê"! ESC, SARAMAGO.

Publicação produzida por ocasião do termino da leitura desta Obra. Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, surpreende-nos a ausência das marcas usuais da historicidade. Não há sequer uma referência temporal que nos permita dizer com segurança em que momento histórico o mundo ficcional deve ser inserido. No entanto, a própria ausência de marcadores temporais permite- nos fazer reflexões acerca do seu significado. A percepção do tempo se faz sentir apenas na memória das personagens e nas observações do narrador. No continuum do tempo, o passado do qual as personagens se recordam é o conjunto de atitudes e valores que incorporavam antes da cegueira e sob esse aspecto o passado e o presente são julgados um à luz do outro na diegese.
Não se pode dissociar a ausência de referentes temporais da ausência de referentes espaciais. Numa perspectiva historicista, a definição do tempo e do espaço se faz essencial, mesmo porque os métodos da historiografia assim o exigem. No entanto, o olhar que o pós-modernismo lança ao passado ultrapassa as barreiras formais da história. Especificamente, a atitude pós-moderna consiste em tecer leituras do passado, tomando por parâmetro a consciência de que o conhecimento que se tem dele nada mais é do que a textualização das impressões humanas acerca dos eventos.
Ao criar um texto em que essas marcas de identificação espaço-temporal revelam-se enfraquecidas, Saramago faz dele um espelho onde o leitor poderá mirar-se e refletir sobre o seu papel, enquanto cidadão do mundo, na construção da história da humanidade.
A supressão da identidade a partir do nome está associada à cegueira que se espalha. As personagens são identificadas por outros meios: pelas profissões que exerciam antes de ficarem cegas, pelas relações de parentesco ou por traços físicos marcantes. Ao assumirem que os nomes são desnecessários ao seu relacionamento no manicômio, as personagens deixam implícita a trajetória que terão de seguir, na descoberta dolorosa do eu e do outro.
Do ponto de vista da historiografia, dado o esbatimento dos três conceitos inerentes à compreensão histórica - o tempo, o espaço e a identidade- a história do romance é impossível de se situar. Tentaremos, no entanto, mostrar que é exatamente essa impossibilidade que faz do romance um retrato tão contundente da condição humana.
No universo ficcional, à exceção da mulher do médico, todas as personagens temem muito mais a revelação do que realmente são do que a sensação de impotência causada pela cegueira.
A mulher do médico disse consigo mesma, Comportam-se como se temessem dar-se a conhecer um ao outro. Via-os crispados, tensos, de pescoço estendido como se farejassem algo, mas, curiosamente, as expressões eram semelhantes, um misto de ameaça e de medo, porém o medo de um não era o mesmo que o medo do outro, como também não o eram as ameaças (SARAMAGO. 1985. 49)
Com o passar dos dias, as máscaras sociais deixam de ser importantes e necessárias na instância de vida dos cegos na camarata. Os códigos sociais, assim como os nomes, começam a se perder em um microcosmo governado pelos sentidos:
Tão longe estamos do mundo que não tarda que comecemos a não saber quem somos, nem nos lembrámos sequer de dizer-nos como nos chamamos, e para quê, para que iriam servir- nos os nomes, nenhum cão reconhece outro cão, ou se lhe dá a conhecer, pelos nomes que lhes foram postos, é pelo cheiro que identifica e se dá a identificar, nós aqui somos como uma outra raça de cães, conhecemo- nos pelo ladrar, pelo falar, o resto, feições, cor dos olhos, da pele, do cabelo, não conta, é como se não existisse, eu ainda vejo, mas até quando (SARAMAGO. 1985, 64).
Em Não-lugares, Marc Augé analisa a relação do homem com o espaço, a questão da identidade e da coletividade. Ele designa "não-lugar" todos os dispositivos e métodos que visam à circulação de pessoas, em oposição à noção sociológica de "lugar", isto é, à idéia de uma cultura localizada no tempo e no espaço. Segundo Augé, os espaços em que vivemos carecem de uma reavaliação, pois "vivemos num mundo que ainda não aprendemos a olhar". Não há como deixar de perceber a analogia entre a posição de Marc Augé e a epígrafe escolhida por Saramago: "Se podes olhar,vê. Se podes ver, repara."
Ao analisar as relações entre o homem e o seu grupo social, Augé nos alerta para o fato de que a organização e a constituição de lugares são um dos desafios e uma das modalidades das práticas coletivas e individuais. As coletividades têm necessidade de pensar, simultaneamente, a identidade e a relação e de simbolizar os constituintes das diferentes formas de identidade: da identidade partilhada- pelo conjunto de um grupo; da identidade particular- de um grupo ou de um indivíduo ante outros- e da identidade singular- naquilo em que um indivíduo ou grupo difere de todos os outros. Os questionamentos suscitados pela condição das personagens do Ensaio sobre a cegueira advêm da desconstrução e posterior construção desses conceitos.
A ausência de marcadores temporais e espaciais na narrativa e a própria cegueira das personagens reforçam a idéia do não-lugar. Todas as antigas raízes, que marcam o lugar antropológico- que pretende ser identitário, relacional e histórico- são desfeitas.
Assim, o lugar antropológico- cultural e espácio-temporalmente definido, é substituído pelo não-lugar, pela provisoriedade da subsistência nas camaratas, pela redução dos códigos de convivência social a um estado de barbárie, em que será preciso aprender a viver de novo, a construir novos parâmetros para a identidade e a relação. A cegueira branca é descentralizadora; não privilegia classes:
Aqui não há só gente discreta e bem-educada, alguns são uns mal- desbastados que se aliviam matinalmente de escarros e ventosidades sem olhar a quem está, verdade seja que no mais do dia obram pela mesma conformidade, por isto a atmosfera vai se tornando cada vez mais pesada... (SARAMAGO. 1985, 99).
A babel de indivíduos de naturezas tão distintas quanto às suas origens dá à mulher do médico a impressão de que as distâncias que separam os seres no mundo exterior se encurtaram e a diversidade de problemas que afligem os homens se resumiu no instinto de sobrevivência. Essa impressão se resume a uma frase: " O mundo está todo aqui dentro" (SARAMAGO. 1985, 102).
É precisamente esse instinto primordial do homem que revela aos cegos que nesse mundo em que agora vivem as máscaras sociais se fazem desnecessárias; o homem é o que é. Assim, ante a necessidade de estabelecer uma ordem na distribuição da comida, a fim de evitar trapaças, e mediante a afirmação de um dos cegos de que estão a lidar com gente honesta, alguém retruca: "Ó cavalheiro. O que somos de verdade aqui é pessoas com fome" (SARAMAGO. 1985, 102).
É relevante observar, no entanto, que, no não-lugar, recompõem-se alguns lugares, até porque os lugares evocados pelos ritos da memória, onde se encontram inventariados, nunca se apagam completamente, assim como o não-lugar nunca se realiza totalmente. Graças à reconstituição das relações humanas, ainda que sob novos códigos e regras, o não-lugar é impedido de existir numa forma pura.
É a existência do não-lugar, a re-dimensão das relações humanas que põem o indivíduo em contato com outra imagem de si próprio e do outro. A individualidade absoluta torna-se impensável, uma vez que há uma alteridade complementar que é constitutiva de toda individualidade. Já não se pode pensar o eu sem a figura do outro. O eu individual passa a ser um dos elementos da identidade partilhada; está condicionado ao grupo ao qual pertence. É através da identidade partilhada que os cegos da primeira camarata reconstroem algo do lugar antropológico.
Também não surpreenderá que busquem todos estar juntos o mais possível, há por aqui muitas afinidades, umas que já são conhecidas, outras que agora mesmo se revelarão(...) É contudo certo que nem todas essas afinidades se tornarão explícitas e conhecidas, seja por falta de ocasião, seja porque nem se imaginou que pudessem existir, seja por uma simples questão de sensibilidades e tacto (SARAMAGO. 1985, 67).
O espaço do não-lugar liberta aquele que lá penetra das amarras de sua vida habitual, a tal ponto que , enquanto "passageiro" desse não-lugar, pode até mesmo ser capaz de gozar, momentaneamente, as alegrias passivas dessa [des]identificação com o eu. Assim o ladrão do carro, em meio às dores do ferimento na perna, encontra prazer na auto-descoberta, isto é, aprende a ver:
Assombrava-o o espírito lógico que estava descobrindo na sua pessoa e o acerto dos raciocínios, via-se a si mesmo diferente, outro homem, e se não fosse este azar da perna estaria disposto a jurar que nunca em toda a sua vida se sentira tão bem. (SARAMAGO. 1985, 79).
A "presença do passado" no presente expressa-se numa polifonia em que o velho e o novo se cruzam, na evocação de uma temporalidade contínua. Ao mesmo tempo que as personagens evocam os lugares da memória, substitutos para o lugar antropológico do qual já não fazem parte, as citações e provérbios que entrecortam a narrativa são a evocação de lugares antropológicos diversos, dos quais o romance, em sua aparente ausência de espaço-temporalidade, não se afasta na realidade.
Isso se dá, antes de mais nada, porque o lugar se concretiza pela palavra. Se a troca de palavras ocorre entre pessoas no nível de uma intimidade cúmplice, algo do lugar antropológico pode ser recuperado e reordenado. Claro está que as citações surgem invertidas, como a destituírem-se de um caráter absoluto, desprovendo a si mesmas de sentido. Essa inversão é metafórica. No esvaziamento do sentido, ela exibe a cegueira da palavra. Há que gerar comportamentos verbais que se coadunem com esse novo padrão de existência.
Já lá dizia o outro que na terra dos cegos quem tem um olho é rei. Deixa lá o outro, Este não é o mesmo, Aqui nem os zarolhos se salvariam(...) O outro também dizia que quem parte e reparte e não fica com a melhor parte , ou é tolo, ou no partir não tem arte, Merda, acabe lá com o que diz o outro, os ditados põem -me nervoso (SARAMAGO. 1985, 103).
A luta da mulher do médico para que os cegos da primeira camarata não se entreguem à barbárie não é uma apologia do passado, do "mundo civilizado" que conheciam, como pode parecer à primeira vista, mas o contraponto que há de evidenciar os sentimentos, as modulações de sentido, que nortearão as relações entre os cegos a partir da quarentena- a longa jornada do aprendizado da visão.
Segundo Augé, o que nós procuramos, na acumulação religiosa dos testemunhos, dos documentos, das imagens, de todos os signos visíveis do que foi(...) é a nossa diferença, a nítida revelação de uma identidade perdida.
Saramago faz uso de um recurso tipicamente pós-moderno ao confrontar os princípios de civilização que os cegos conheciam com aqueles que são levados a construir. Instaurando e subvertendo situações, o autor deixa entrever no texto interrogações que encenam o paradoxo pós-moderno de ser ao mesmo tempo cúmplice e crítico das normas predominantes.
Se o romance faz eclodir a revolta do leitor ante a torpeza das atitudes dos cegos das outras camaratas, cada qual envolvido com sua própria subsistência, e, mais tarde, fazendo uso da comida como instrumento de poder, também leva o leitor à reflexão de que esses instintos que parecem tão torpes na ficção são os mesmos que disfarçamos no dia-a-dia de homens civilizados.
O fio condutor do romance é a cegueira que leva não só as personagens como também o leitor a refletirem sobre as relações entre o individual e o coletivo, erguendo o véu do nosso desconhecimento. A cegueira branca, que ilumina ao invés de lançar nas trevas os que a contraem, é o símbolo do discurso da perplexidade.
Em um mundo, no qual já não se crê nas "narrativas -mestras", no discurso homogeneizante da modernidade, há que pensar a diferença. Se por um lado o pós-modernismo reconhece que os discursos são instrumento de poder, que enunciam "verdades", graças a sua capacidade de moldar práticas, por outro lado, o discurso pós-moderno é problematizante, inquiridor. Longe de apontar soluções, o pós-modernismo nos faz refletir criticamente sobre o passado e o presente.
O desfecho de Ensaio sobre a cegueira não é um discurso legitimador, pois não aponta soluções ou direções para a evolução do homem; sequer advoga para si a verossimilhança. Muito embora o romance revele-se, ao final, detentor de um discurso moralizante, que se coaduna com a proposta do romance, isto é, fazer ver a quem tem olhos, nenhum modelo nos é fornecido para que possamos atingir esse fim. Este é um percurso que o leitor há de fazer sozinho.
Assim como as personagens, o leitor é "passageiro" no não-lugar que a escritura encena. Aos cegos que encontra pelo caminho, a mulher do médico afirma: "Só estamos de passagem" (p.215). O escritor que passa a viver na casa do primeiro cego, igualmente, afirma: "Estou de passagem" (p.278). Esse alter-ego do autor que "inscreve palavras na brancura do papel", à guisa de sinais da sua passagem, diz à mulher do médico palavras que parecem ecoar do mundo extradiegético, onde autor, narrador e leitor transitam, como um apelo : "não se perca, não se deixe perder". Apelo este que se quer prolongamento da epígrafe: veja, não se deixe cegar.
A reflexão do narrador acerca da inutilidade da memória nessa trajetória pode ser depreendida no exemplo a seguir:
(...)é que não há comparação entre viver num labirinto racional, como é , por definição, um manicómio, e aventurar-se, sem mão de guia nem trela de cão, no labirinto dementado da cidade, onde a memória para nada servirá, pois apenas será capaz de mostrar a imagem dos lugares e não os caminhos para lá chegar (SARAMAGO. 1985, 211).
Se não há modelos a serem seguidos e se o referencial do nome e do lugar já não são suficientes, cabe ao leitor, assim como às personagens, traçarem individualmente a sua trajetória. A nova identidade é construída a partir de um novo pensar coletivo.
Sob esse aspecto o desfecho se aproxima da proposta da pós-modernidade: questionar os sistemas e os postulados totalizantes por meio do paradoxo, buscando a identidade na diferença. A par do conteúdo moralizante, do formato convencional, o desfecho de Ensaio sobre a cegueira não contraria a proposta pós-moderna, uma vez que o pós-modernismo, dada a sua característica de atuar dentro dos sistemas que subverte, não constrói paradigmas. Não há um modelo pós-moderno a ser seguido e sim um conjunto de estratégias mais ou menos freqüentes que sugerem o que se convencionou chamar pós-modernismo.
No plano da diegese é no não-lugar, isto é, no percurso que os cegos fazem desde a quarentena até o desfecho do romance, que as contradições da natureza humana se revelam e são experimentadas. No plano da narração, por ser espaço transitório do pensamento e da reflexão sobre o romance enquanto obra de arte, onde as estratégias novas e antigas se encontram, onde passado e presente se cruzam no ato constante de recriar, a escritura revela-se o locus onde, por meio da exposição do caos, o leitor é convidado a repensar o mundo em que vive.
O texto de Marc Augé, ao qual fizemos referência em boa parte de nossa análise, esclarece-nos quanto ao olhar que lançamos ao passado, quanto ao modo pelo qual revolvemos os resquícios do passado como uma maneira de manter vivo o lugar antropológico do qual fazemos parte. Mais do que isso, esse texto nos chama atenção para o fato de que o habitante do lugar antropológico vive na história, não faz história. É no lugar da memória, contrapondo passado e presente, que construímos a nossa diferença.
O Ensaio sobre a cegueira, conforme pudemos observar, não é de modo algum desistoricizado. Ele incorpora a história da arte e a história do homem sem que, para isso, necessite de marcadores temporais ou espaciais.
O descentramento do sujeito, a multiplicidade de vozes e o discurso intertextual sugerem um deslocamento ainda maior, na direção da pluralidade e da heterogeneidade que são as marcas do pós-moderno. O tema que norteia o romance, a questão da alteridade, está em consonância com a retórica pluralizante do pós-modernismo.
E se essa escritura nos parece tão diferente, a ponto de nos causar estranheza, que nos sobrevenha à mente a lição de Foucault: "somos a diferença, nossa razão é a diferença dos discursos, nossa história é a diferença das épocas, nossos eus são a diferença das máscaras". Essa diferença não pode nunca ser vista como um obstáculo para a compreensão do mundo, pois é o retrato mais fiel do que somos e do que fazemos.

A religião em uma perspectiva sócio-antro-cultural

Trabalho realizado à disciplina filosofia da religião do curso de Filosofia. Apresentarei primeiramente fatos históricos de minha vida e depois farei uma análise a partir de conceitos sócio-antropológicos. Estão contidos quatro tópicos: a religião como construção e manutenção do mundo; as teodicéias usadas para justificar situações da vida humana; religião como alienação ou [des]alienação e a secularização.
Desde quando me reconheço como ser humano, a religião faz parte de minha vida. No início ocupou um espaço maior, com o avanço de minha educação, de uma forma significativa ela perdeu território. Sou nascido e criado em uma família tradicional católica. Ainda quando criança, meus pais me ensinaram que Deus havia nos criado e que devíamos rezar e obedecer a Ele por nos ter permitido viver. Que criou o mundo e tudo que nele existe. Tudo acontecia da forma e vontade deste Deus. Aprendi que deveria rezar todas as noites e agradecer pelo dia que tive e por tudo que aconteceu. Se eu não fizesse isso ficaria como me sentindo culpado e poderia, quando morrer ir para o inferno. O mesmo aconteceria se fizesse mal aos outros, tanto animais ou pessoas e, a mim mesmo. Eu acompanhava meus pais em todas as atividades da igreja que eles participavam. Já ao nove anos de idade, comecei a freqüentar o catecismo, onde recebia a educação religiosa em grupo que as vezes meus pais não conseguiam transmitir. Nestes encontros confirmavam tudo o que meus pais haviam dito. Deus criou tudo, inclusive a nós. Meus catequistas procuravam ler os textos bíblicos e explicar tudo a partir deles. Como se tudo fosse obra de Deus e que Ele estaria a governar eternamente sua criação. Eu sabia que tinha sido batizado quando criança e que era ungido de Deus, enquanto participante de seu rebanho. Faz-se necessário destacar aqui um aspecto: para ir à igreja, à catequese ia sozinho, aos cultos e as missas ia com meus pais, precisava andar durante duas horas, pois morávamos na zona rural e distante da igreja. Isso quase sempre durante o meio dia, horário do sol mais quente. Eu sempre fiz isso sem reclamar. Acreditava que Deus ficaria contente com esta ação e temia que Ele me punisse se não fizesse.
Aos doze anos de idade recebi a primeira eucaristia, por ocasião da primeira vez que recebi a hóstia, o corpo de Cristo, conforme me ensinaram. Neste momento, meu compromisso com a igreja aumentava. Tornava-me “simbolicamente” um discípulo de Jesus. Deveria agir como tal. Não compreendia bem, mas sabia que tinha um dever com a igreja católica. Aos quinze anos recebi o Sacramento do Crisma, onde já haviam me preparado para ser um leigo ativo, seguidor de Jesus e propagador da doutrina d”Ele. Ocasião em que comecei como catequista de minha comunidade. Já não ia mais a igreja só para aprender a bíblia e os mandamentos de Deus. Também ensinava. Percorri uma caminhada tão exemplar que antes de completar como catequizando, passei a ser catequista. Isso com a permissão do sacerdote pároco responsável. Aos quinze anos também comecei o acompanhamento para entrar na vida religiosa, onde realizaria minha “vocação”, a qual senti nos anos anteriores. Este período foi marcado, também, por um grande esforço. Eu ia um final de semana em cada mês a cidade, onde participava de encontros vocacionais, juntamente com outros jovens, que almejavam discernir a vocação também. Eu percorria três horas até a cidade, agora de bicicleta. Aos dezoito anos entrei para o seminário, parte que apresentarei no capítulo terceiro, que tratarei da alienação ou [des]alienação da religião.
Em uma abordagem sócio-antropológica da religião, pode-se afirmar que constitui três mecanismos de reprodução sócio-cultural. A saber: a socialização, o controle social e a legitimação. As crianças, quando vão nascendo, são “contextualizadas”, são apresentas os sistemas às precede. A religião assume diretamente um aspecto socializador. Em minha vida, quando meus pais diziam que Deus criou o mundo, por isso era daquela forma, da vontade d’Ele e que eu deveria contribuir para que continuasse assim. Ainda neste exemplo encaixa outro mecanismo, o de controle social. Claramente evidenciado quando meus pais diziam que o mundo era assim por vontade de Deus e que ninguém poderia mudar. Aqui se constitui o caráter da religião como construção do mundo. Para que esta forma de pensar e compreender o mundo socializado possa se perpetuar, existe um terceiro mecanismo, o da legitimação. Ele constitui-se quando surgem “os porquês”, nas crianças ao se desenvolverem humanamente ou nos adultos após esquecerem as respostas dadas anteriormente. À legitimação está à tarefa da religião como manutenção do mundo. Em minha vida, quando eu aprendi que, através da eucaristia, participação do corpo de Cristo, tinha que propagar os ensinamentos cristãos. Fazer com que o maior número de pessoas acreditasse em Deus e o seguisse. Toda vez que eu saía debaixo do sol quente e caminhava durante duas horas para chegar à igreja, fazia isso por que alguém, meus pais, ensinou que o mundo era criação de Deus e que se não fizesse a vontade do criador, seria punido. Acreditava em tudo isso, por que foi-me transmitido como um saber objetivo, que explicou e justificou a existência minha e do mundo e, que não podia mudar nada. A religião foi historicamente o instrumento mais amplo e efetivo de legitimação. Ela legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as precárias construções da realidade erguida pela sociedade empírica (BERGER, 1985, 45). Assim o foi em minha vida e, tão marcante ao ponto de me fazer entrar para um seminário, com o objetivo de ser sacerdote.
A legitimação religiosa pretende relacionar a realidade humanamente definida com a realidade última, universal e sagrada. Neste ponto, em minha vida, o ser catequista cristão em minha comunidade exigia de mim, determinado comportamento pré-estabelecido e reconhecimento e transmissão do saber a mim confiado.
A teodicéia é uma explicação criada para justificar as diversas situações da vida humana, sobretudo as marginais. Explicação onde se justifica acontecimentos empíricos, humanos com teorias divinas. Embora neste caso, teoria talvez não seja a palavra mais adequada. “Os fenômenos anômicos devem não só ser suportados, mas também explicados, a saber, explicado em termos do nomos estabelecido na sociedade em questão. Uma explicação deste fenômeno em termo de legitimações religiosas, de qualquer grau de sofisticação religiosa que seja”. Recordo-me ser vários os casos em que eu disse que Deus queria que as coisas fossem daquela forma. Aquelas situações de nossa vida, em que não concordávamos, mas que aceitávamos porque aparentemente não podíamos mudar. A justificativa era a vontade de Deus. Em outros casos, quando eu estava caminhado debaixo de sol quente, para ir á igreja, mesmo que o corpo reclamasse, afirmava que suportaria, porque Jesus Cristo sofreu e morreu por nós, por isso tínhamos que suportar tal sofrimento. Isso para ficar em dois exemplos somente de teodicéias usadas.
A sociedade em geral, mesmo que não seja o objetivo deste trabalho, mas que vale relatar, usa comumente três tipos de justificações: As teodicéias, explicação a partir das legitimações religiosas, a natureza e a ciência. Tudo é como é pela existência destes três fatores. Diariamente ouvimos pessoas dizendo que tudo depende da vontade de Deus.
Aos dezoito anos de idade entrei para uma instituição religiosa, propriamente dita, à congregação dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora. Foi o coroamento de todo um esforço grave que fiz anteriormente. Longas horas de caminhada para participar das atividades religiosas que todo vocacionado precisa fazer. Já como seminarista, continuei estudando. Tive oportunidade conhecer o lado da religião que as pessoas em geral não conhecem. Descobri o verdadeiro sentido dos milagres que Jesus Cristo realizou e papel da religião na vida do ser humano. Meu formador, um padre de mente muito lúcida, soube responder a todas as minhas inquietações, as interrogações mais antigas até as atuais. O curso de filosofia foi oportunidade sem igual para meu amadurecimento.
Sobre minha infância recordo-me que em uma tarde de sábado estávamos sentado em um círculo por ocasião da catequese. Minha catequista explicava por que não poderíamos desejar sexualmente as pessoas de nossa casa: o pai, a mãe, o irmão e a irmã. Ela dizia que somos, todos, filhos de Deus, mas que isso é possível por que somos, cada um, filho de outro pai aqui na terra. Que desejar pessoas do mesmo parentesco era pecado e as pessoas e a sociedade, nos reprimiriam. Em nenhum momento mencionou as anomalias que o mesmo sangue pode geral no caso de produzir um filho e nem da necessidade de pensarmos que isso tinha um caráter de organização social. Bem, ela nem teria condições de falar isso, devido o baixo grau de instrução. Mas como se sabe, a natureza humana, pelo momento da adolescência, sentir uma atração por pessoas que vivem ao seu redor é comum. E, neste caso me senti reprimido. Normal sentir-se assim, mas não dessa forma, por que Deus proíbe. É normal também pela interiorização da moral e das leis sociais ocidental. Em um determinado momento ocorreu uma duplicação da consciência, isto é, diante da sociedade e da atração sentida por parentes, diretamente pelas mulheres, eram reprimidos, mas na mente eles continuavam. O caso da duplicação ocorre outra vez posteriormente em minha vida. Quando já no seminário, não podíamos ter-nos com garotas, devido o voto de castidade. Mas as escondida, eu, e outros, dávamos uma “escoregadela”. Dentro de um mesmo papel social, agíamos de forma diferente, sem que os outros soubessem. Isto por que conseguíamos realizar um diálogo entre a consciência socializada com a consciência não-socializada.
Por um período bem longo em minha vida, mais precisamente a infância, percebo que a religião, em partes significativas, exerceu um papel alienante. Eu agia como se não tivesse vontade e personalidade própria, como se Deus que estivesse agindo para mima, fazia somente o que Ele “queria”. Para algumas pessoas isso pode parecer viver uma vocação, mas neste caso não era o que acontecia. Eu não tinha discernimento de minhas ações. Pode-se compreender que a alienação é a existência de uma “consciência não-dialética”. O esquecimento de que nos produzimos e produzimos o mundo a nossa volta. A religião não-alienada é aquela que o cristão tem consciência que ao mesmo tempo em que ele produz Deus, através da consciência e da cultura e moral cristã, é também produzido por esta, isto é, por Deus. Já o cristão alienado, age não consegue discernir entre si e Deus. Age com má-fé afirmando que não tem outra alternativa, outra escolha pra suas ações, por que Deus quer assim. A falsa consciência, neste caso, é o maior agravante. Não exerce conscientemente o papel que deve assumir dentro de cada instituição.
No meu caso, vejo a religião como alienante somente em minha infância. Na posteridade, após conseguir uma compreensão dos fatos, ela se tornou [des]alienante. Eu seria capaz, se não tivesse preferido adotar uma postura radical diante do fenômeno religioso, de ser um cristão autentico, autônomo. A autonomia compreendia como consciência das ações no campo religioso. A ausência da má-fé e da falsa consciência.
Entendendo por secularização a “subtração da dominação das instituições e símbolos religiosos”, pode-se afirmar que me tornei bastante secularizado. As instituições religiosas com seus ritos próprios perderam espaço em minha vida. A interpretação de que a religião serve para explicar aquilo que à razão seria inexplicável, e que existe para dar um sentido em nossa vida, a partir de onde não conseguimos nos compreender e, que se não exercermos as práticas e caridade religiosa não será afetada de forma trágica a nossa existência e a descoberta que não foi Deus que criou o mundo e que não voltará para prestarmos conta de nossas ações, fez-me dar importância menor a interferência da religião em minhas atitudes.
Entretanto faz-se necessário compreender que, observo os princípios cristãos, vivo a moral cristã, mas não pratico seus ritos. Isto é, não é Deus que define mais o que é importante ou necessário para minha conservação. Sou eu com minha consciência, guiada pela “razão” que digo como devo agir. Todavia, reconheço a importância das instituições religiosa na sociedade, pois sem está, não haveria o respeito e a fraternidade, ou se houvesse, seria em menor proporção.


REFERÊNCIA
BERGER, Peter Ludwig. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. Org. Luiz Roberto Benedetti; Trad. José Carlos Barcellos. São Paulo: Paulus, 1985.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O Senhor Das Moscas

Mesmo sendo um filme difícil de ser comentado, ouso apresentar minha interpretação. O filme “O senhor das Moscas”, ao meu ver, é uma estória que começa com pouco sentido e termina com nenhum. Inicia-se com uma cena onde todos os integrantes estão dentro do mar e, um deles resgatando um senhor de mais idade. Os personagens é um grupo de crianças abaixo de treze anos e um velho aparentando uns cinqüenta anos. Em seguida todos chegam a margem de uma ilha, servidos de um barco salva-vidas.
Segundo o relato de um personagem, eles estavam fugidos de seu país natal, ao que consta eram pertencentes a um internato, onde recebiam educação para a reintegração à sociedade, por provavelmente terem cometido pequenos delitos. O senhor de idade permanece inconsciente ao longo de todo o filme, salvo o momento em que recupera as forças e foge do meio dos garotos. Já na ilha, procuram sobreviver da melhor maneira possível. De início elegem um líder para comandá-los e elaboram algumas regras para serem seguidas. Nestes aspectos, reproduzem literalmente a sociedade onde viviam, mas em menor proporção, por não terem compreendido ainda o sentido da organização a qual um grupo afim está envolvido.
O fato de serem crianças não lhes permitiu assumir todas as responsabilidades a que deviam. Em uma passagem, após elegerem uma fogueira como meio de alarme que estavam na ilha, para um possível resgate e, após alguns deixarem a fogueira apagar, se desentendem e se dividem. Criado dos grupos, o desertor, guiado por um líder carismático, promete tudo o que não tinham e queriam ter no primeiro. A maioria o segue. O primeiro líder, elegido anteriormente por unanimidade, mas fracassado com o tempo, servia-se da razão como guia de suas escolhas e decisões. Já o segundo, o carismático, seguia as inclinações e paixões para conduzir os que o acompanhava. Facilmente consegue fazer todos acreditarem que são forte e caçadores. Insere uma ideologia que define todo o desfeche final. Após uma das caçadas, por cometerem um engano, passam a acreditar na existência de um monstro na ilha. Isso lhes faz preparar-se mentalmente para enfrentá-lo e na ocasião onde estão reunidos, após um dos garotos aparecer correndo na direção deles, matam-no como se fossem o monstro. O primeiro ato brutal do grupo. Porém, este acontecimento não os afeta emocionalmente. Agem como se quem eles tivessem matado era fosse um animal. Ignoram que era uma pessoa e amigo deles. O segundo ato foi outro amigo do grupo, que morre com uma pedra lançada em sua cabeça, por integrantes dos caçadores. Eles acreditam tão fortemente na possibilidade de serem fortes, que destroem tudo que se impõe como obstáculo. Enceram o filme perseguindo o terceiro garoto, o líder racional, que não tinha se juntado ao grupo. Queriam matá-lo para se fortalecerem e tornarem-se donos únicos daquelas terras. Salvo por soldados russos que lhes encontrara, o garoto não delata seus perseguidores.
O filme tem um todo que deixa quem assiste um tanto indignado. Mas mostra claramente todos os aspectos do ser humano, com animal e como homem. Também apresenta de forma clara a condição de quem lidera, que deve ser para o bem dos liderados, mas de maneira que agrade-os. Assim como em geral na sociedade, alguns existem por ser mandados e outros para mandar. Aquilo que no espírito humano, seria os governantes e os governados. A todos que forem assistir, e eu recomendo, um bom filme. Contacte-me para discutirmos e apresentar interpretação que não consegui ou não quis fazer.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Arthur Schopenhauer, filósofo alemão (1788-1860)

Arthur Schopenhauer nasceu em Dantzig (Prússia), em 22 de fevereiro de 1788. Filho do comerciante Henrich Floris Schopenhauer e de Johanna Henriette Trosenier, que o encaminharam aos estudos voltados para o comércio. Viajou por diversos países da Europa com a finalidade de aprimorar seus conhecimentos. Após o falecimento de seu pai, provavelmente por suicídio, Arthur iniciou seus estudos humanísticos. Em 1807 matriculou-se no Liceu Weimar. Em 1809 cursou a faculdade de medicina de Gottigen, tendo como professor Schulze, que o aconselhou o estudo de Platão e Kant. Em 1811, na Universidade de Berlim, assistiu cursos ministrados por Schleiermacher e Fichte. Doutrinou-se pela Universidade de Berlim com tese intitulada "Quadrupla Raiz do Princípio da Razão Suficiente". Johanna, sua mãe, era escritora. Mulher bem sucedida como romancista, frequentava círculos que Arthur considerava "mundanos", e por isso não recebiam sua aprovação. Johanna criou um salão em Weimar, onde nas poucas visitas que Schopenhauer fez a este local, teve oportunidade de entrar em contato com Goethe. Tornaram-se amigos e Goethe acabou por sugerir que Schopenhauer trabalhasse uma teoria anti-newtoniana. Este estudo possibilitou que, em 1816, realizasse um trabalho intitulado: "Sobre a Visão e as Cores". A relação mãe e filho era instável e conflituosa, levando Schopenhauer a distanciar-se definitivamente de sua mãe em 1814 . Ambos desvalorizavam-se mutuamente em público. A mãe, disse certa vez, que a tese de Schopenhauer não passava de um "tratado de farmácia", ao mesmo tempo que o filho declarava que Johanna somente seria lembrada por ter sido sua mãe, e não pelos romances que escreveu. Nesta época, Schopenhauer mudou-se para Desdra. No período compreendido entre 1818 e 1819, este filósofo viveu na Itália. Ao retornar em 1820, após submeter-se a uma seleção, passou a ministrar aulas em Berlim, na Universidade de Berlim. Neste período entra em conflito com Hegel, que lecionava na mesma universidade, disputando com ele a presença de alunos em seus cursos. Schopenhauer fracassa nesta disputa. Com apenas quatro ouvintes em sua sala, renunciou às aulas. Apresentou crises depressivas após o ano de 1821, ao desentender-se com uma pensionista que residia na mesma pensão em que vivia. Este episódio, fez com que Schopenhauer se comprometesse economicamente com a pensionista por muitos anos. Mais tarde, Schopenhauer voltou a procurar a Universidade de Berlim para lecionar, mas não obteve êxito nesta procura. Publicou, nesta época a obra "O Mundo como Vontade e Representação", pela qual recebeu algum reconhecimento. Vinte anos após esta publicação, saiu a segunda edição desta obra, enriquecida com um segundo volume de notas e adiantamentos. Em 1831, para fugir de uma epidemia de peste que tomava Berlim, Schopenhauer mudou-se para Frankfurt, permanecendo nesta cidade até seu falecimento, que deu-se em 21 de setembro de 1860, vítima de pneumonia. Viveu uma vida muito solitária, preferindo a companhia de animais a outros seres humanos. Nos últimos anos de sua vida, obteve reconhecimento do público em relação a sua obra, quando então na Alemanha a filosofia de Hegel perdeu sua força, dando lugar a filosofia de Schopenhauer. Suas idéias exercem forte influência sobre a cultura posterior à dele, o que percebe-se nas obras de Horkheimer, Wittgenstein e escritores como Tolstói, Zola, Anatole France, Kafka e Thomas Mann. Suas principais publicações foram: "O Mundo como Vontade e Representação"(1819 - 1ª edição); "Sobre a Quadrupla Raiz do Princípio da Razão Suficiente" (1813); "Sobre a Visão e as Cores" (1816); "Sobre a Vontade da Natureza" (1836); "Os Dois Princípios Fundamentais da Ética" (1841); "Parerga e Paralipomena" (1851- conjunto de ensaios). Schopenhauer critica vorazmente as filosofias de Fichte e Schelling, julgando-as "a enfatuada, vacuidade", apesar de reconhecer nelas algum talento. Seu maior alvo de críticas, porém, foi Hegel, a quem julga um "charlatão", rotulando sua filosofia como "palhaçada filosófica". Sua oposição a Hegel deve-se principalmente à concepção hegeliana da história como progresso. Para Schopenhauer a história não nos ensina, sendo ela apenas repetição de fatos, não acrescentando nada ao homem. Considera que o idealismo está voltado a interesses ligados a Igreja e ao Estado. Identifica nesta corrente de pensamento uma posição sofística que atribuí principalmente a Hegel, concluíndo então que o idealismo não encontra-se comprometido com a verdade. A filosofia de Schopenhauer tem como referência a primeira filosofia de Kant, a quem sempre considerou como o filósofo mais original e importante da história do pensamento. Kant aponta a diferença existente entre o fenômeno e a coisa-em-sí, e acredita que o fenômeno é a única realidade acessível ao conhecimento, o que não pode-se conhecer é a coisa-em-sí. Para Schopenhauer o fenômeno não passa de aparência, ilusão, sonho - o que na filosofia indiana é definido como "Véu de Maia" - sendo que a coisa-em-sí é a realidade que se esconde atrás do fenômeno. A leitura que Schopenhauer atribuí ao fenômeno sob influência das filosofias indiana e budista, em nada se assemelha à filosofia kantiana. Partindo de sua concepção de fenômeno, Schopenhauer sugere que sua filosofia seja uma integração necessária à filosofia de Kant, pois ele acredita haver descoberto o acesso à coisa-em-sí, ao qual denomina " vontade". O conceito de vontade deste filósofo diz respeito a algo infinito, uno, indizível, e não a uma vontade finita, individual, ciente. Ela estaria presente no homem, como em toda a natureza. Para Schopenhauer, a realidade é vontade irracional, onde o finito nada mais é que mera aparência da realidade. A vontade infinita, traz com ela a característica da insaciabilidade, sendo então algo conflituoso que geraria dor e sofrimento ao homem. Schopenhauer compreende o mundo como representação e vontade. O autor diz: "O mundo é minha representação." A representação implica em dois aspectos importantes: o sujeito da representação, que é o que tudo conhece e não é conhecido por ninguém; e o objeto da representação que é condicionado pelo tempo, pelo espaço e pela causalidade. O sujeito, para ele, estaria fora do tempo, sendo uno, indiviso, em todos os seres humanos capazes de representação. Caso o sujeito deixe de existir, deixa de existir com ele o mundo representado. O homem, como representação é um fenômeno, assim como o mundo. Ambos são vontade. O corpo do homem, para este autor, é a objetivação da vontade, ou seja, do em-sí do homem. A realidade interna do homem, representada pelo fenômeno, é sua aparência. Vontade e corpo são inseparáveis, compondo um todo. A filosofia de Schopenhauer é tida como pessimista, pois o homem está enquanto finito na condição de mortal; a vontade muitas vezes não possuí meta nem finalidade, sendo insaciável. Isto tudo gera dor ao homem, o que leva ao autor afirmar: "Viver é sofrer". Esta dor aponta para as ausências do homem. A vontade pode ser temporariamente saciada, causando tédio ao homem, e logo em seguida a vontade passa novamente a sua condição de falta. A vida do homem oscila então entre a dor e o tédio. Este filósofo encontra na arte uma outra oportunidade de momentaneamente escapar da dor e do sofrimento humano. Isto é possível quando o conhecimento desvincula-se da vontade em desinteressada contemplação. Aponta a música como a arte mais profunda e universal, sendo ela a imediata revelação da vontade. Pela primeira vez na História da Filosofia a música ocupa um papel de destaque. Aponta a compaixão como sendo a forma pela qual o homem liberta-se de sua individualidade, reconhecendo-se como parte de um todo, compartilhando com os demais o sofrimento de viver. Isto, para ele é fundamental para o existir humano. Para Schopenhauer a salvação do homem do sofrimento de existir, consistiria em uma atitude radical, de renúncia do mundo e suas solicitações, anulando assim por completo a vontade, tornando-o realmente livre, indo ao encontro do nada.

LUDWIG FEUERBACH (1804-1872)

Ludwig Feuerbach nasceu em 28 de julho de 1804, na cidade de Landshut, na Baviera. Inicialmente estudou teologia em Heidelberga. Mais tarde foi para Berlim, curioso para entrar em contato com Hegel e sua filosofia. Tornou-se um fervoroso hegeliano, chegando a declarar em uma carta à seu pai: "Aprendi com Hegel em quatro semanas tudo o que antes não aprendi em dois anos". Em 1830, lecionou em Erlagen, assumiu posição oposta à direita hegeliana. Nesta época, publicou um trabalho intitulado: "Pensamentos sobre a morte e sobre a imortalidade"; através do qual explicitava hostilidade às idéias religiosas. A polêmica que este trabalho gerou, fez com que sua carreira acadêmica fosse interrompida, levando-o a mudar-se para Burckberg. A partir daí, dedicou-se somente aos estudos, vivendo uma vida solitária. Em 1848, retornou para lecionar um curso em Heidelberga, a convite de alguns alunos, ocasião esta em que produz a obra: "Lições sobre a essência da religião", publicada em 1851. Este foi um momento raro na vida de Feuerbach, que viveu sempre isolado dos demais e na miséria. Faleceu em Richnberg em 1872, esquecido por todos. Feuerbach publicou as seguintes obras: "Pensamento sobre a morte e sobre a imortalidade" (1830); "Lições sobre a essência da religião" (1848-1849); "Crítica à filosofia hegeliana" (1839); "Teses provisórias para a reforma da filosofia" (1843); "Princípios da filosofia do futuro" (1844); "A essência do cristianismo" (1841); "A essência da religião" (1845); "Teologia segundo as fontes da antiguidade clássica judaica-cristã" (1857); "Divindade, liberdade e imortalidade do ponto de vista da antropologia" (1866); "Espiritualismo e materialismo" (1866); "O eudemonismo" - póstuma. Feuerbach denomina seu método de histórico-filosófico, em oposição à análise histórica do cristianismo. O conteúdo que a crítica histórica do cristianismo elimina por não considerar verdadeiro, a crítica histórico-filosófica considera como revelação da essência humana. Considera que o histórico é determinado pelo filosófico. Feuerbach, por exemplo, frente a um milagre, não questiona se ele o é de fato, mas sim interroga à respeito dos impulsos humanos que levariam à imaginação, já que considera o milagre como um poder da imaginação humana. O autor afirma que sua obra desenvolve uma nova filosofia, que é fiel ao homem e não a uma escola, a uma corrente. Adota como objeto principal a religião, em particular o cristianismo. Considera a religião a essência imediata do ser humano, acreditando assim poder explicitar os "tesouros escondidos no homem". Reduz atributos divinos da teologia a atributos humanos da antropologia. Sua filosofia procura transformar a teologia de Hegel em uma antropologia baseada no mesmo princípio, a unidade do limite e do infinito. Compondo a esquerda hegeliana, Feuerbach defende a idéia de que para Hegel a religião não é razão, e sim representação, sendo então redutível ao mito. Esta facção, em um primeiro momento, faz uso das idéias hegelianas dirigindo-as contra a teologia e a filosofia tradicional. Em uma segunda etapa, acaba por criticar as abstrações hegelianas em defesa do homem concreto, e a fé cristã em defesa de uma metafísica imanentista. Distancia-se de Hegel, entre outras coisas, ao eleger o homem concreto como sua prioridade e não a idéia de humanidade. A ele interessa a natureza, a capacidade, sensibilidade e necessidade. Para Feuerbach, o homem é quem cria Deus e não ao contrário. Segundo o autor, a filosofia precisa dar conta deste homem como um todo, e não somente da razão que o compõe. Deve abraçar a religião, enquanto fato humano, considerando este homem em comunhão com outros homens, caminho este através do qual ele pode sentir-se livre e infinito. O autor acredita que somente a religião dá conta do homem em sua totalidade. Este filósofo sugere que a religião desempenha um importante papel na vida do homem concreto e diz: "a consciência que o homem tem de Deus é a consciência que o homem tem de si". Acredita que para se conhecer um homem, basta conhecer seu Deus, já que na sua concepção a religião, o Deus do homem, nada mais é do que a projeção da intimidade da essência do homem. Assim sendo, para Feuerbach o método da teologia é a antropologia, pois o homem deposita em seu Deus o que lhe pertence. Percebe a necessidade existente no homem da religião, uma vez que ela lhe serve como alívio frente às angústias, à dor e ao sofrimento da existência, que a natureza somente provoca e não alivia. O homem é dependente da natureza para existir. A natureza é sentida como necessidade, e é ai que surge a religião, opondo-se entre o querer e o poder, pensamento e o ser, etc. Diante da natureza o homem sente-se limitado, finito, já a religião teria a possibilidade da onipotência e da infinitude de Deus para oferecer ao homem. Os desejos do homem estariam assim representados enquanto possibilidade na figura de Deus, que é a representação imaginária da realização de todos os desejos humanos, superando os limites que a natureza lhe impõe. Deus domina a natureza, pois para o homem, ele é quem a cria. Assim sendo, Feuerbach desloca a divindade de um Deus externo ao homem para o próprio homem. Ele é o Deus dele mesmo, e diz: "O ser absoluto, o Deus do homem é o próprio ser do homem." Deus é então a consciência que o homem tem de sí mesmo, de seu ser. A exemplo disto, a perfeição divina nada mais é do que o desejo do homem de ser perfeito e a consciência que tem de si, enquanto um ser imperfeito . O amor, a crença, o desejo e etc., atribuídos a Deus, que segundo Feuerbach, deveriam voltar-se para o próprio homem e para seu igual. Acredita que o homem deveria acreditar nele mesmo. No entanto, este filósofo aponta um erro na religião, que é a ilusão que ela cria. Ao mesmo tempo que oferece um sentido de vida para o homem e uma forma de ele lidar com suas limitações, a religião acaba por distânciá-lo dele mesmo, exteriorizando a própria divindade. Feuerbach exerce forte influência em alguns pensadores, com destaque a Marx. Para entender a teoria de Marx, é necessário conhecer Feuerbach e todo o pensamento da esquerda hegeliana. Feuerbach de início torna-se simpatizante da esquerda hegeliana e mais tarde acaba por opor-se a ela.

Uma outra forma de ensinar a filosofia

Este artigo foi escrito por ocasião de minha participação em um grupo de estudos sobre filosofia para Crianças. Resultado de longas pesquisas e conteúdo veríficavel na prática! Tenha uma boa leitura!
Uma outra forma de ensinar a filosofia
É possível a criança e o adolescente filosofarem? Esta questão inquieta muitos filósofos e educadores. Aqui a filosofia não surge como uma transmissão de conhecimento, ainda menos o conhecimento próprio da filosofia. Apresentam-se novas metodologias de aprendizagem, nova relação entre aluno e educador. Surge uma nova maneira de olhar e conhecer a filosofia, numa perspectiva mais acessível, onde pessoas comuns podem filosofar. A Comunidade de Investigação e a Comunidade de Aprendizagem como parte da vida escolar. Uma abordagem em consonância com o Programa Educação para o Pensar. A questão da possibilidade de as crianças e os adolescentes filosofarem tem mais de dois mil e duzentos anos. Na tradição filosófica, somente homem adultos praticavam a filosofia, e ainda assim, nem todos os homens. Max Scheler, referenciando Platão, diz que “as massas nunca serão filosofas” (SCHELER, 1986:7). A filosofia, como ramo do conhecimento ocidental se desenvolveu historicamente influenciada por este preconceito. Não só surgiram restrições para filosofar, como se criaram barreiras para o acesso à filosofia. Max Scheler afirma ainda que a filosofia sempre pertenceu a uma elite que se reúne em torno de um pensador. Na atualidade, pode-se perceber que essas restrições diminuíram. Mas ainda existem pessoas que afirmam que a filosofia não é coisa simples, pois para se fazer filosofia no sentido acadêmico e profissional é preciso dominar um universo complexo e cheio de termos técnicos e conhecer as várias tradições e sistemas de pensamento. Porém a questão levantada no início se difere um pouco das alegações acerca da restrição da filosofia para os estudantes em geral. A proposta que desponta aqui é de as crianças filosofarem e ao invés de terem que primeiro aprender toda a cultura filosófica, como acontece nas academias. O período inicial da educação escolar é marcado por um encontro entre as crianças, onde elas colocam para si e seus colegas, questões no âmbito da investigação filosófica. É nesta fase da educação que surgem os “por quês”, os “como”, os “aonde”, etc. Na educação tradicional e na familiar, raramente são respondidas estas interrogações. O que acontece comumente, são apresentações de respostas prontas e que tiram a capacidade do desenvolvimento cognitivo. Com a inserção destas crianças nas comunidades de investigação, criadas estrategicamente pelo educador, há a possibilidade de se alimentar as dúvidas, que as impulsionará a desenvolver a pesquisa em busca de respostas, ainda que diferenciada em cada fase da formação, dando inicio ao pensamento intelectual. As comunidades de investigação, são aulas transformadas em encontros, “onde todos se voltam para a busca conjunta da construção de respostas às questões levantadas nas discussões feitas individualmente e em grupo. Nesta ação conjunta e dialógica, o dialogar investigativo significa, dentre outras coisas, conversar de forma organizada a respeito de assuntos que se apresentam, onde o educador possibilita, a participação de todos, através da discussão e da consideração de todas as opiniões e manifestações do pensamento de seus alunos” (WONSOVICZ, 2005, p.35). Há várias formas metodológicas para usar as comunidades de investigação, entre elas se destacam a formas lúdicas e interativas. Aprende-se mais facilmente brincando, de forma agradável e divertida, que simplesmente o professor repetindo o que um dia aprendeu. Abandona-se assim, a visão tradicional de pedagogia, onde o professor ensina e o aluno aprende. Aqui todos aprendem juntos, numa relação igualitária. É mister que o educador deve dominar completamente o objeto de análise, para subsidiar e conduzir a atividade rumo a compreensão de todos. É preciso que fique claro que o programa de Filosofia com Crianças e Adolescentes, não pretende ensinar toda a cultura filosófica aos estudantes, pois estes não estariam preparados para receber todo este conteúdo. O objetivo aqui é levar as crianças a refletir sobre as mesmas questões que inquietaram os filósofos ao longo da história. Conduzir e deixa-las pensar sobre o que é o Bem, o que é a felicidade, o que é a amizade, a liberdade, o amor, etc. Permitir que elas por si só descubram o que são estes conceitos axiológicos que fazem parte da vida cotidiana. Propiciar o desenvolvimento da consciência crítica, da idéia de diversidade, da compreensão de si e do mundo a volta delas. O programa Filosofia para Crianças, idealizado por Matheus Lipmam e criado na década de 1970 nos Estados Unidos (Nova Jersey), busca cultivar o raciocínio filosófico, o desenvolvimento da capacidade de pensar e julgar bem. Em outros termos, busca o desenvolvimento da capacidade de julgamento e a cultura de reflexão, mediante a discussão em sala de aula. Por isso, a filosofia para Lipmam, não é um fim em si mesma, mas um meio que permite o desenvolvimento de habilidades intelectuais e disposições para atingir seus objetivos. Com relação ao aspecto educacional do Programa Filosofia para Crianças e Adolescentes, dá-se a aprendizagem de certo número de meios que levam à reflexão como forma de fugir das frases feitas, ou da aprendizagem mecânica sem saber seu significado. Oferece apoio para que se façam escolhas e ajuda os alunos a saírem do senso comum, das opiniões incontroladas. O programa possibilita o desenvolvimento das habilidades cognitivas; o diálogo investigativo; o desenvolvimento do pensar e a construção cooperativa do conhecimento. Dessa forma, pode-se concluir que é possível crianças e adolescente filosofarem. Entretanto, este filosofar não é no sentido acadêmico e, sim uma reflexão acerca de si e da vida. Formando assim cidadãos críticos e conscientes da importância de seu papel no mundo. Ademais, uma iniciação filosófica bem alicerçada, dará base para usar da filosofia à vida toda, em todos os momentos da existência humana.

FELICIDADE, quem a tem?

Todos estão a procura da felicidade. Ninguém diria em sã consciência que não deseja ser feliz. Todos querem a tal felicidade. Daí porque todos a procuram, nos mais variados lugares e das mais diferentes formas. Como já disse nosso querido amigo, Divaldo Pereira Franco: "O grande desafio da criatura humana é a própria criatura humana", ou seja, o nosso grande desfio somos nós mesmos, nosso autoconhecimento. Nós, seres humanos, já viajamos pelo espaço, fomos à lua, descobrimos outros planetas fora do sistema solar. Ainda assim, este homem, guiado pela tecnologia ainda não conseguiu encontrar a plenitude, a felicidade, porque não teve coragem de realizar a grande viagem interior, tentativa mais eficaz para o autodescobrimento. Não logrou realizar alguns questionamentos, tais como: quem é? de onde veio? para onde vai? e porque está aqui? Cabe ao ser inteligente descobrir na Terra a razão fundamental da própria existência, a fim de estabelecer os parâmetros propiciados da felicidade, de forma a desenvolver a capacidade de crescimento interior, razão primordial da sua auto-realização. Enquanto não se resolva por detectar e aplicar os métodos mais compatíveis para o enriquecimento moral e espiritual, tudo se lhe apresentará sem sentido ou maior significado transformador, tornando-se o trânsito carnal um desafio recheado de desencanto e aflição. Podemos alcançar a felicidade hoje, agora, a despeito dos problemas que estamos enfrentando. Basta olhar a vida com outros olhos, mudando as lentes pelas quais enxergamos os fatos. Sabemos que não somos somente aparência material, física. O ser humano é pré-existente ao corpo e a ele sobrevivente. Através desse conceito é que conseguimos entender nosso enigmas, as problemáticas do inter-relacionamento, da dor, do desamor. A felicidade tem uma conotação diferente para cada criatura, de acordo com o nível intelectual de cada um. Se perguntarmos o conceito de felicidade, teríamos respostas variadas, de acordo com as necessidades de cada um. Lamentavelmente, não sabe-se o que é felicidade por estarmos, nós seres humanos, vinculados ao material. Não conseguiu-se, ainda, um conceito claro sobre felicidade. Várias escolas filosóficas, vários pensadores, filósofos tentam defini-la. Por estarmos a maioria, ligados ao material, muitos condicionam a conquista da felicidade à aquisição de bens materiais, outros ancoram o sonho da felicidade na busca da fama, do sucesso, do poder, para outros a felicidade está associada à inexistência de problemas, outros tantos condicionam a felicidade à ocorrência de um fator externo, e a lista prossegue sem fim. E nós? Será que estamos condicionando nossa felicidade a algum acontecimento? a algum bem material, a alguma pessoa? Será esse o caminho da felicidade? Certamente, não. A felicidade não está fora de nós. Ela é, antes de tudo, um estado de espírito, uma maneira de ver a vida e não a um determinado acontecimento. Ser feliz é uma atitude comportamental frente a execução da tarefa que viemos desempenhar na Terra. A verdadeira felicidade consiste em fazer o bem, "não é ter ou não ter". Um dos grandes filósofos da nossa história, afirmou serem três os pré-requisitos para alcançarmos a felicidade: "consciência reta", "vida correta" e "Coração de Paz". Temos que lembrar que a vida não é um problema, é um desafio. Ela nos apresenta oportunidades de crescimento, notadamente nos setores que mais necessitamos. Por detrás dos problemas existem lições, desafios, tarefas. E grande ventura tomará conta de nós quando vencermos os obstáculos que a vida nos apresenta. O sermão da Montanha é a pura prova de que somente serão bem aventurados aqueles que souberem superar as dificuldades da vida. Se não acreditarmos, basta olharmos as pessoas felizes e verificar que todas elas passaram ou passam por grandes provas e expiações. Lembremo-nos dos primeiros cristãos, que seguiam cantando até a arena onde seriam devorados pelas feras. Lembremo-nos da felicidade de Francisco de Assis, conquistada na humildade, na pobreza e no serviço ao próximo. O santo da humildade era moço rico, mas vivia amargurado na riqueza que possuía. só encontrou a paz depois que se entregou à riqueza do espírito. Não nos esqueçamos de que Paulo de Tarso, que na condição do poderoso Saulo era infeliz, mas voltou a viver após o célebre encontro com Jesus na Estrada de Damasco. Paulo perdeu o poder temporal, mas encontrou a felicidade pessoal. Gandhi encontrou a sua felicidade na luta pela paz. Madre Tereza e Irmã Dulce, apesar dos inúmeros padecimentos que sofreram, conseguiram encontrar a felicidade na felicidade que podiam proporcionar ao desvalidos do caminho. Albert Schweitzer, médico, laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 1952, encontrou a felicidade vivendo 52 anos de sua vida entre os povos primitivos da África. Como esquecer a permanente alegria de Chico Xavier? E olhem, que problemas na vida não lhe faltaram. Várias vezes perguntaram-no se ele estaria disposto a passar por todas as provas que a vida lhe marcou. E a resposta, já conhecida de todos, é que faria tudo de novo e que pretende no mundo espiritual, continuar a sua tarefa de médium. Então, amigos, a alegria de viver deve ser uma norma de conduta natural em todos os seres pensantes, mesmo quando não se exteriorizam conforme desejaríamos. Isto porque, as ocorrências do dia-a-dia alteram-se a cada instante, transformando tristezas em júbilos como felicidades em infortúnio. Vicente de Carvalho considerou que a felicidade existe, mas é difícil de ser alcançada, porque está sempre onde a pomos e nunca a pomos onde estamos. As estradas que levam à felicidade fazem parte de um método gradual de crescimento íntimo, cuja prática só pode ser exercitada pausadamente, pois a verdadeira fórmula da felicidade é a realização de um constante trabalho interior. Nosso principal objetivo é progredir espiritualmente e, ao mesmo tempo, tomar consciência de que as circunstâncias felizes ou infelizes de nossa vida são o resultado direto de atitudes distorcidas ou não, vivenciadas ao longo do nosso caminho. Construímos castelos no ar, sonhamos irrealidades, convertemos em mito a verdade, e por entre ilusões românticas, investimos toda a felicidade em relacionamentos cheios de expectativas coloridas, condenando-nos sempre a decepções crônicas. Ninguém pode nos fazer felizes ou infelizes, somente nós mesmos é que regemos o nosso destino, somos herdeiros de nossos atos. Assim sendo, fracassos ou sucessos são subprodutos de nossas atitudes construtivas ou destrutivas. A destinação do ser humano é ser feliz. o ser psicológico esta fadado a uma realização de plena alegria, mas, por enquanto, a completa satisfação é de poucos, ou seja, somente daqueles que já descobriram que não é necessário compreender como os outros percebem a vida, mas sim como nós mesmos a percebemos, conscientizando-nos de que cada um de nós tem uma maneira única de ser feliz. Para sentir as primeiras ondas do gosto de viver, basta aceitar que cada ser humano tem um ponto de vista que é válido, conforme sua idade espiritual. É sempre fácil demais culparmos um cônjuge, um amigo ou uma situação pela insatisfação de nossa alma, porque pensamos que, se os outros se comportassem de acordo com os nossos planos e objetivos, tudo seria invariavelmente perfeito. Esquecemos, porém, que o controle absoluto sobre as criaturas não nos é vantajoso e nem mesmo possível. A felicidade dispensa rótulos e nosso mundo seria mais repleto de momentos agradáveis se olhássemos as pessoas sem limitações preconceituosas, se a nossa forma de pensar ocorresse de modo independente e se avaliássemos cada indivíduo como uma pessoa singular e distinta. Felicidade não é simplesmente a realização de todos os nossos desejos, mas sim, a noção de que podemos nos satisfazer, com nossas reais possibilidades. A felicidade nós a encontraremos na harmonização, no amor verdadeiro, na renúncia e no desprendimento. Nós a encontraremos ainda, dedicando-nos aos que sofrem, procurando amenizar-lhe as dores. Na verdade, sintetizado o que foi falado, a felicidade é a certeza da imortalidade. Face a todas essas conjunturas que se fizeram objeto de nossas reflexões, consideramos que o trabalho interior que produz felicidade não é simplesmente meta de uma curta etapa, mas um longo processo que levará muitas existências, através da eternidade, nas muitas moradas na Casa do Pai. Por que? Neste mundo transitório, tudo passa. Passam a alegria, a tristeza, o júbilo e a dor. Aqui, a felicidade também é rápida; é como a labareda que se mantém acesa enquanto tem combustível, depois se apaga. Disse-nos Jesus: "O meu reino não é deste mundo", eqüivalendo dizer que a verdadeira felicidade é um estado de permanência e que a verdadeira plenitude será um dia alcançada, em alguma das muitas moradas do Pai. A felicidade não pode ser algo tão transitório. Allan Kardec, interpretou no Evangelho, que a felicidade não é desse mundo. Não quis, ele, afirmar que aqui é um vale de lágrimas, um inferno, mas sim, que este mundo é uma escola. E como toda escola, existe a disciplina e quem não respeita estas disciplinas precisa ser reeducado, no nosso caso, precisa voltar, reencarnar. A felicidade não é deste mundo, nos diz o Evangelho, mas começa aqui, ela se realiza nos seus alicerces, para quando viajarmos deste mundo sejamos plenos e felizes. Por isso o Espiritismo preconiza a crença da imortalidade da alma, comprovada cientificamente em pesquisas realizadas nos laboratórios. O Espiritismo é uma ciência de observação, nos dá (mostra) uma filosofia de comportamento; explica de onde viemos, quem somos, para onde vamos e porque estamos aqui, aquelas perguntas iniciais, lembram. A nossa felicidade será naturalmente proporcional em relação à felicidade, ao bem que fizemos aos outros. Portanto, a caridade essencial é aquela que transforma o indivíduo, que erradica as causas da miséria e não aquela que mantém o miserável; mas a que muda a estrutura moral do indivíduo. É a caridade do perdão, do esquecimento das ofensas. É uma atitude de sublimação, pois nos diz o Evangelho: "Fora da caridade não há salvação". Não importa no que cremos, importa o que somos, é claro que o ideal é caminharmos junto aos ensinamentos do Mestre. A religião Espírita ajuda-nos a sermos corretos, porque nos explica e mostra que somos responsáveis pela nossa vida, nós é quem a escrevemos. Deus não nos castiga, não nos premia, nós é que construímos através do livre-arbítrio. É aí que entra a felicidade de servir. A arte de viver é a arte de servir. Feliz é quem ama, não aquele que se faz amado. Felicidade é a arte de exalar alegria, a proposta da felicidade é esta auto-superação, da dominação das nossas más inclinações. Somos filhos de Deus. A felicidade é possível e já, não precisamos transferi-la. Quando buscamos e achamos Deus, não reclamamo-no mais, podemos dizer a este Pai que amamos a vida, amamos o amor. Encaremos a vida com os olhos do bem, com a visão do amor e com o concreto desejo de olharmos à nossa volta e verificarmos que o Pai tudo nos legou para que a nossa felicidade se efetive já. Abençoemos o trabalho em que a vida nos situou; santifiquemos a família terrena do jeito que os familiares são; enfrentemos com dinamismo e alegria os obstáculos da vida e assim, amando e servindo, haveremos de encontrar a felicidade que há muito tempo espera por nós.

Astrologia em plena Antiguidade

As especulações sobre a natureza do Universo devem remontar aos tempos pré-históricos, por isso a astronomia é frequentemente considerada a mais antiga das ciências. Desde a antiguidade, o céu vem sendo usado como mapa, calendário e relógio. Os registros astronômicos mais antigos datam de aproximadamente 3000 a.C. e se devem aos chineses, babilônios, assírios e egípcios. Naquela época, os astros eram estudados com objetivos práticos, como medir a passagem do tempo (fazer calendários) para prever a melhor época para o plantio e a colheita, ou com objetivos mais relacionados à astrologia, como fazer previsões do futuro, já que, não tendo qualquer conhecimento das leis da natureza (física), acreditavam que os deuses do céu tinham o poder da colheita, da chuva e mesmo da vida. Vários séculos antes de Cristo, os chineses sabiam a duração do ano e usavam um calendário de 365 dias. Deixaram registros de anotações precisas de cometas, meteoros e meteoritos desde 700 a.C. Mais tarde, também observaram as estrelas que agora chamamos de novas. Os babilônios, assírios e egípcios também sabiam a duração do ano desde épocas pré-cristãs. Em outras partes do mundo, evidências de conhecimentos astronômicos muito antigos foram deixadas na forma de monumentos, como o de Newgrange, construído em 3200 a.C. (no solstício de inverno o sol ilumina o corredor e a câmara central) e Stonehenge, na Inglaterra, que data de 3000 a 1500 a.C. Nessa estrutura, algumas pedras estão alinhadas com o nascer e o pôr do Sol no início do verão e do inverno. Os maias, na América Central, também tinham conhecimentos de calendário e de fenômenos celestes, e os polinésios aprenderam a navegar por meio de observações celestes. Nas Américas, o observatório mais antigo descoberto é o de Chankillo, no Peru, construído entre 200 e 300 a.C. (Iván Ghezzi e Clive Ruggles, Science, 2007, 315, 1239). O ápice da ciência antiga se deu na Grécia, de 600 a.C. a 400 d.C., a níveis só ultrapassados no século XVI. Do esforço dos gregos em conhecer a natureza do cosmos, e com o conhecimento herdado dos povos mais antigos, surgiram os primeiros conceitos de Esfera Celeste, uma esfera de material cristalino, incrustada de estrelas, tendo a Terra no centro. Desconhecedores da rotação da Terra, os gregos imaginaram que a esfera celeste girava em torno de um eixo passando pela Terra. Observaram que todas as estrelas giram em torno de um ponto fixo no céu e consideraram esse ponto como uma das extremidades do eixo de rotação da esfera celeste. Há milhares de anos, os astrônomos sabem que o Sol muda sua posição no céu ao longo do ano, se movendo aproximadamente um grau para leste por dia. O tempo para o Sol completar uma volta na esfera celeste define um ano. O caminho aparente do Sol no céu durante o ano define a eclíptica (assim chamada porque os eclipses ocorrem somente quando a Lua está próxima da eclíptica). Como a Lua e os planetas percorrem o céu em uma região de dezoito graus centrada na eclíptica, essa região é definida como o Zodíaco, dividida em doze constelações, várias com formas de animais (atualmente as constelações do Zodíaco são treze: Áries, Touro, Gêmeos, Cancer, Leão, Virgem, Escorpião, Ofiúco, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes). As constelações são grupos aparentes de estrelas. Os antigos gregos, e os chineses e egípcios antes deles, já tinham dividido o céu em constelações. Os astrônomos da Grécia antiga Tales de Mileto ( 624 - 546 a.C.) introduziu na Grécia os fundamentos da geometria e da astronomia, trazidos do Egito. Pensava que a Terra era um disco plano em uma vasta extensão de água. Pitágoras de Samos ( 572 - 497 a.C.) acreditava na esfericidade da Terra, da Lua e de outros corpos celestes. Achava que os planetas, o Sol, e a Lua eram transportados por esferas separadas da que carregava as estrelas. Foi o primeiro a chamar o céu de cosmos. Aristóteles de Estagira (384-322 a.C.) explicou que as fases da Lua1 dependem de quanto da parte da face da Lua iluminada pelo Sol está voltada para a Terra. Explicou, também, os eclipses: um eclipse do Sol ocorre quando a Lua passa entre a Terra e o Sol; um eclipse da Lua ocorre quando a Lua entra na sombra da Terra. Aristóteles argumentou a favor da esfericidade da Terra, já que a sombra da Terra na Lua durante um eclipse lunar é sempre arredondada. Afirmava que o Universo é esférico e finito. Aperfeiçoou a teoria das esferas concêntricas de Eudoxus de Cnidus (408-355 a.C.), propondo eu seu livro De Cælo, que "o Universo é finito e esférico, ou não terá centro e não pode se mover." Heraclides de Pontus (388-315 a.C.) propôs que a Terra gira diariamente sobre seu próprio eixo, que Vênus e Mercúrio orbitam o Sol, e a existência de epiciclos. Aristarco de Samos (310-230 a.C.) foi o primeiro a propor a Terra se movia em volta do Sol, antecipando Copérnico em quase 2000 anos. Entre outras coisas, desenvolveu um método para determinar as distâncias relativas do Sol e da Lua à Terra e mediu os tamanhos relativos da Terra, do Sol e da Lua. Eratóstenes de Cirênia (276-194 a.C.), bibliotecário e diretor da Biblioteca Alexandrina de 240 a.C. a 194 a.C., foi o primeiro a medir o diâmetro da Terra. Ele notou que, na cidade egípcia de Siena (atualmente chamada de Aswân), no primeiro dia do verão, ao meio-dia, a luz solar atingia o fundo de um grande poço, ou seja, o Sol estava incidindo perpendicularmente à Terra em Siena. Já em Alexandria, situada ao norte de Siena, isso não ocorria; medindo o tamanho da sombra de um bastão na vertical, Eratóstenes observou que em Alexandria, no mesmo dia e hora, o Sol estava aproximadamente sete graus mais ao sul. A distância entre Alexandria e Siena era conhecida como de 5000 estádios. Um estádio era uma unidade de distância usada na Grécia antiga. Um camelo atravessa 100 estádios em um dia, e viaja a cerca de 16 km/dia. Como 7 graus corresponde a 1/50 de um círculo (360 graus), Alexandria deveria estar a 1/50 da circunferência da Terra ao norte de Siena e a circunferência da Terra deveria ser 50×5000 estádios. Infelizmente, não é possível se ter certeza do valor do estádio usado por Eratóstenes, já que os gregos usavam diferentes tipos de estádios. Se ele utilizou um estádio equivalente a 1/6 km, o valor está a 1% do valor correto de 40000 km. O diâmetro da Terra é obtido dividindo-se a circunferência por . Hiparco de Nicéia (160 - 125 a.C.), considerado o maior astrônomo da era pré-cristã, construiu um observatório na ilha de Rodes, onde fez observações durante o período de 160 a 127 a.C. Como resultado, ele compilou um catálogo com a posição no céu e a magnitude de 850 estrelas. A magnitude, que especificava o brilho da estrela, era dividida em seis categorias, de 1 a 6, sendo 1 a mais brilhante, e 6 a mais fraca visível a olho nu. Hiparco deduziu corretamente a direção dos pólos celestes, e até mesmo a precessão, que é a variação da direção do eixo de rotação da Terra devido à influência gravitacional da Lua e do Sol, que leva 26000 anos para completar um ciclo.2 Para deduzir a precessão, ele comparou as posições de várias estrelas com aquelas catalogadas por Timocharis de Alexandria e Aristyllus de Alexandria 150 anos antes (cerca de 283 a.C. 260 a.C.). Estes eram membros da Escola Alexandrina do século III a.C. e foram os primeiros a medir as distâncias das estrelas de pontos fixos no céu (coordenadas eclípticas). Foram, também, dos primeiros a trabalhar na Biblioteca de Alexandria, que se chamava Museu, fundada pelo rei do Egito, Ptolémée Sôter Ier, em 305 a.C.. Hiparco também deduziu o valor correto de 8/3 para a razão entre o tamanho da sombra da Terra e o tamanho da Lua e também que a Lua estava a 59 vezes o raio da Terra de distância; o valor correto é 60. Ele determinou a duração do ano com uma margem de erro de 6 minutos. Ptolomeu (85 d.C. - 165 d.C.) (Claudius Ptolemaeus) foi o último astrônomo importante da antiguidade. Não se sabe se ele era egípcio ou romano. Ele compilou uma série de treze volumes sobre astronomia, conhecida como o Almagesto, que é a maior fonte de conhecimento sobre a astronomia na Grécia.

Os filosofos como Eles são.

A filosofia é um assunto (perdão, uma actividade) que tem uma história; e como progride tão pouco, se é que progride realmente alguma coisa, a sua história é, consequentemente, mais importante do que a história de outras disciplinas. O especialista instantâneo bem sucedido tem de se equipar com um conhecimento prático desta história, se quiser singrar na charlatanice. Para os propósitos deste livro, confinar-nos-emos quase exclusivamente à filosofia ocidental, essa admirável tradição que começou na Grécia no século VII a.C. Há uma boa razão para esta opção. A filosofia da tradição ocidental é um tipo de projecto muito diferente da filosofia oriental. Numa próxima secção daremos alguns conselhos sobre como ser apropriadamente evasivo acerca de temas como a Meditação, o Budismo, a Religião Indiana, as Pessoas com Cabeças Rapadas e Túnicas Amarelas Imundas, e outras ameaças sociais do género. Portanto, esta secção contém factos mais ou menos interessantes sobre alguns filósofos mais ou menos famosos, factos esses de natureza tanto biográfica como filosófica, dispostos de maneira mais ou menos cronológica. Os primeiros filósofos gregos são geralmente conhecidos por pré-socráticos, apesar de isto ser enganador: nem todos viveram antes de Sócrates, e, em qualquer caso, não constituíram uma escola coerente; na verdade, a maioria deles não constituíram sequer indivíduos coerentes. Ninguém sabe por que começou a filosofia quando começou; o especialista instantâneo ambicioso com inclinações marxistas pode tentar oferecer uma explicação em termos de uma dialéctica inexorável de forças históricas, mas nós não o recomendamos. Uma característica notável de muitos pré-socráticos é a sua tentativa de reduzir os constituintes materiais do Universo a uma ou mais Substâncias básicas, tais como a Terra, o Ar, o Fogo, as Sardinhas, os Gorros de Lã Velhos, etc. Tales de Mileto (c. 620-550 a.C.) foi o primeiro filósofo reconhecido. Poderão ter existido outros antes dele, mas ninguém sabe quem foram. Ele ficou conhecido principalmente por defender duas coisas: 1) Tudo é feito de Água; e
2) Os ímanes têm alma. O leitor poderá pensar que não foi um princípio muito prometedor. aximandro (c. 610-550) pensava que tudo era feito do Apeiron, uma concepção que tem um certo encanto espúrio, até percebermos que não quer realmente dizer coisa alguma. Anaxímenes (c. 570-510) aventurou-se corajosamente numa direcção completamente nova, apesar de não menos arbitrária, ao afirmar que na realidade tudo era feito de Ar, uma perspectiva talvez mais plausível na Grécia do que, por exemplo, no Barreiro. Heraclito (c. 540-490) discordou, defendendo antes que tudo era feito de Fogo. Mas ele avançou um passo mais, afirmando que tudo estava num estado de fluxo e que tudo era idêntico ao seu oposto, acrescentando que não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, e que não existe qualquer diferença entre o Caminho a Subir e o Caminho a Descer, o que mostra que nunca foi ao Bairro Alto numa sexta-feira à noite. Vale por vezes a pena referir de passagem (o que constitui sempre a melhor maneira de nos referirmos ao que quer que seja em filosofia) a «Metafísica de Heraclito», para falar da sua doutrina do fluxo, desde que não tenhamos de explicar seja o que for. Heraclito era muito admirado por Hegel (q.v.), o que nos diz talvez mais sobre Hegel do que sobre Heraclito. itágoras (c. 570-10), como qualquer aluno da primária sabe, inventou o triângulo rectângulo; na verdade foi mais longe, ao acreditar que tudo era feito de números. Acreditava também numa forma extrema de reincarnação, defendendo que uma larga gama de coisas improváveis, incluindo os arbustos e os feijões, têm alma, o que tornava a sua dieta bastante problemática, acabando por ser indirectamente responsável pela sua bizarra morte (q.v.). Empédocles (c. 500-430), um notável médico e político siciliano do século V, completamente doido (veja-se Mortes para mais detalhes), pensava que tudo era feito de Terra, Ar, Fogo e Água, misturando-se ou separando-se tudo através do Amor e da Discórdia, ganhando cada um, à vez, a proeminência no ciclo do eterno retorno, espelhando assim o cosmos, em grande escala, o casamento suburbano típico. Depois vêm os eleatas, Parménides (520-430) e Melisso (480-420), que foram ainda mais além. Em vez de afirmarem que tudo era na realidade feito de uma substância, defenderam antes que na realidade só havia uma única Coisa, grande, esférica, infinita, imóvel e imutável. Toda a aparência de variedade, movimento, separação entre objectos, etc., era uma Ilusão. Esta teoria extraordinariamente contra-intuitiva (por vezes conhecida por Monismo, da palavra grega «mono», que quer dizer «dispositivo antiquado de gravação») revelou-se surpreendentemente popular, sem dúvida por estar de acordo com a experiência que as pessoas têm com algumas instituições, como os Correios e a EDP. O seu sucessor, Zenão (500-440), avançou um conjunto de argumentos paradoxais para mostrar que nada pode mover-se. Aquiles e a Tartaruga são ainda discutidos, tal como a Flecha: argumentou ele que esta não podia realmente mover-se, o que, a ser verdade, teria sido uma boa notícia para S. Sebastião. Os argumentos tratam de saber em grande parte se o Espaço e o Tempo são infinitamente divisíveis, ou se um deles, ou ambos, é feito, ou são feitos, de quanta indivisíveis — mencione isto para dar a Zenão um ar moderno; se lhe pedirem explicações, mude de assunto. Os últimos dos pré-socráticos são os atomistas Demócrito (c. 450-360) e Leucipo (450-390). Diz-se por vezes que eles anteciparam a teoria atómica moderna. Isto é completamente falso, e o especialista instantâneo ganha alguns pontos ao dizê-lo, pela simples razão que o que há de crucial nos átomos democritianos é a sua indivisibilidade, ao passo que o que há de crucial nos átomos modernos é o facto de não serem indivisíveis. O leitor pode também fazer notar que Demócrito não gostava de sexo, apesar de não se saber se tal se devia a razões teóricas ou a algum infeliz revés pessoal. É tudo quanto aos pré-socráticos; vamos agora ao próprio homem que lhes deu o nome, Sócrates (469-399). Sócrates não escreveu coisa alguma: dependemos de Platão no que respeita a qualquer informação sobre ele, e é uma vexata quaestio (uma boa expressão) saber até que ponto Platão reproduziu as ideias de Sócrates, ou se limitou unicamente a usar o seu nome. Não se deixe enredar nesta questão: uma boa manobra é afirmar, com um certo desdém arrogante, que o que conta é o conteúdo filosófico, e não a sua origem histórica. Platão (427-347) acreditava que os objectos comuns do quotidiano, como as mesas e as cadeiras, eram meras cópias «fenoménicas» imperfeitas de Originais perfeitos que existiam no Céu para serem apreciados pelo intelecto, as chamadas Formas. Também há formas de itens abstractos tais como a Verdade, a Beleza, o Bem, o Amor, os Cheques Carecas, etc. Esta posição trouxe algumas dificuldades a Platão: se tudo o que vemos, sentimos, tocamos, etc., deve a sua existência a uma Forma Perfeitamente Boa, têm de haver Formas Perfeitamente Boas de Coisas Perfeitamente Horríveis. O próprio Platão menciona o cabelo, a lama e a sujidade; mas nós podemos pensar em exemplos muito melhores, tais como peúgas brancas com sapatos pretos, caramelos de Badajoz e galos de Barcelos. Platão parece ser imensamente sobrestimado como filósofo; se não acredita em mim, veja o seguinte argumento tipicamente platónico, tirado do Livro II da República: 1) Aquele que distingue as coisas com base no conhecimento (presumivelmente, em vez de ser com base no mero preconceito) é um filósofo; 2) Os cães de guarda distinguem as coisas (neste caso, os visitantes) consoante os conhecem ou não (esta é uma verdade cara aos carteiros); ergo 3) Todos os cães de guarda são filósofos. Experimente usar de vez em quando este argumento, para ver como se sai. Outra manobra útil de aproximação a Platão é argumentar uma das duas ideias seguintes: 1) que ele era um feminista; 2) que não era. Ambas as afirmações podem ser sustentadas e acabar por revelar-se úteis (em ocasiões diferentes, claro). O indício para 1) é o facto de Platão afirmar no Livro 3 da República que as mulheres não devem ser discriminadas em questões de emprego unicamente por serem mulheres. A favor de 2) é o facto de, imediatamente a seguir, Platão comentar que uma vez que as mulheres são por natureza muito menos talentosas do que os homens, esta «liberalização» não faz de qualquer maneira diferença alguma. Depois de Platão vem Aristóteles (382-322), por vezes conhecido como o Estagirita, que ao contrário do que pode parecer não é o embrião de um estagiário, mas um nativo de Estagira, na Macedónia. Foi aluno de Platão e esperava suceder-lhe como director da Academia. Sentiu-se, por isso, ultrapassado quando Espeusipo (não é necessário saber seja o que for sobre ele) ficou com o lugar, abandonando ofendido a Academia para fundar a sua própria escola, o Liceu — que não deve ser confundido com o lugar misterioso onde os nossos pais perderam a inocência. Aristóteles era estupidamente brilhante. Desenvolveu a Lógica (na verdade, inventou-a), a Filosofia da Ciência (que também inventou), a Taxonomia Biológica (sim, também foi inventada por ele), a Ética, a Filosofia Política, a Semântica, a Estética, a Teoria da Retórica, a Cosmologia, a Meteorologia, a Dinâmica, a Hidrostática, a Teoria da Matemática e a Economia Doméstica. Não é aconselhável dizer seja o que for que não seja elogioso em relação a ele, mas o especialista instantâneo atrevido pode aventurar-se a lamentar a inclinação excessivamente Teleológica da sua Biologia, ou comentar que apesar de a sua teoria lógica ser um feito notável, ela foi no entanto, como é óbvio, ultrapassada pelos desenvolvimentos modernos devidos a Frege e Russell (q.v.). Mas tenha cuidado com estas afirmações, e nunca as produza se estiver a falar com um matemático, mesmo que este seja muito novo. Uma linha de abordagem muito mais segura consiste em depreciar moderadamente os aspectos mais caricatos da Biologia de Aristóteles, dos quais o seguinte argumento sobre a estrutura dos genitais das cobras é um exemplo: As cobras não têm pénis porque não têm pernas; e não têm testículos por serem tão compridas. (De Generatione Animalum). Aristóteles não oferece qualquer argumento para sustentar a sua primeira alegação, a não ser a suposição geral a que somos conduzidos de que caso contrário o órgão em causa seria penosamente arrastado pelo chão; mas a segunda deriva da sua teoria da reprodução. Para Aristóteles, o sémen não é produzido nos testículos, mas na espinal medula (os testículos funcionam aparentemente como uma espécie de sala de espera do esperma vagabundo); além disso, o sémen frio é estéril, e quanto mais tiver de viajar, mais arrefece (daí o facto conhecido, comenta ele, de os homens com pênis compridos serem estéreis). Assim, uma vez que as cobras são tão compridas, se o sémen parasse algures no caminho, as cobras seriam estéreis; mas as cobras não são estéreis; logo, não têm testículos. Este esplêndido argumento é um exemplo de Teleologia Excessiva, ou de uma explicação em termos de fins e objectivos, que neste caso põe na verdade tudo de pernas para o ar. Depois de Aristóteles a filosofia fragmentou-se cada vez mais. Fundaram-se várias escolas rivais para complementar, e desancar, as já existentes Academia e Liceu. As grandes novidades do princípio do século III a.C. são os estóicos, os epicuristas e os cépticos. Os estóicos acreditavam perversamente numa Providência Divina que tudo abarcava, apesar de todos os dados em contrário, tais como a ocorrência de desastres naturais, o triunfo das injustiças e a existência de hemorróidas. Crisipo, talvez o mais proeminente, e sem dúvida o mais palavroso dos estóicos, argumentou que as pulgas tinham sido criadas por um Providente Benevolente para não deixar as pessoas dormir de mais. Os estóicos contribuíram também com alguns desenvolvimentos importantes na teoria da lógica, o que lhes permitiu formular alguns tipos de argumentos que tinham escapado a Aristóteles. Mas o especialista instantâneo não deve preocupar-se muito com isso. Os epicuristas, assim chamados em nome do seu fundador, Epicuro (342-270) defendiam que o nosso Fim era o prazer, consistindo este na satisfação dos desejos, o que era um bom começo. Mas depois deram a volta às coisas, afirmando que isto não significava que ter muito prazer era uma coisa boa; pelo contrário, uma pessoa devia limitar o número dos seus desejos, para que assim não acabasse por ficar com muitos desejos por satisfazer — um projecto que tem como consequência uma vida miseravelmente chata (e que, a ser cumprido, implicaria a completa reestruturação das fantasias do adolescente típico). Este ponto de vista é lógico, e ainda mais divertido, e, é claro, completamente oposto àquela ideia da filosofia como a procura do Inefável e do Inatingível — a União Mística com o Criador, a Empatia Total com o Cosmos, ou uma Noite com a Claudia Schiffer. Assim: Por prazer entendemos a ausência de dor física e mental. Não se trata de beber, nem de festas orgiásticas, nem da satisfação com mulheres, rapazes ou peixe. (Extraído de Carta a Menécio). Não sabemos aonde foi ele buscar a ideia do peixe, mas asseguramos-lhe que está no texto. A outra característica importante do epicurismo era a sua versão da Teoria Atómica, que era como a de Demócrito, excepto que, para preservar o Livre Arbítrio, os epicuristas defendiam que de vez em quando os átomos davam uma guinada imprevisível, causando colisões, mais ou menos como os motociclistas acelerados das cidades. Defendiam também que apesar de os deuses existirem, se estão nas tintas para os homens porque têm mais que fazer. A outra grande escola deste período, os cépticos, não acreditavam em nada. O seu fundador, Pirro de Elis (c. 360-270), não escreveu quaisquer livros (presumivelmente porque não acreditava que alguém os leria, se acaso os escrevesse), apesar de alguns cépticos posteriores — inutilmente, poderemos pensar — o terem feito, sendo de notar Tímon, que escreveu um livro de sátiras chamado Silloi, Enesidemo e Sexto Empírico. A linha de argumento principal consistia em afirmar que nenhum dado dos sentidos era digno de confiança, apesar de poder ser agradável, e que, consequentemente, ninguém podia ter a certeza fosse do que fosse. Na verdade, ninguém podia ter a certeza que não se podia ter a certeza fosse do que fosse. Para sustentar esta ideia, ofereceram algumas versões do Argumento da Ilusão, que Descartes iria usar mais tarde. Diz-se que o cepticismo de Pirro era tal que os amigos tinham de o impedir, repetidamente, de cair nos precipícios e nos rios e de caminhar de encontro a carros em andamento, o que não devia dar-lhes qualquer descanso, apesar terem sido aparentemente muito eficientes, pois morreu com uma idade bastante avançada. Diz-se que visitou os gimno-sofistas indianos, ou «filósofos nus», assim chamados devido ao hábito de fazerem seminários em pêlo. Uma vez ficou tão irritado com as perguntas insistentes que lhe dirigiam em público que se despiu completamente (talvez por influência dos gimno-sofistas), mergulhou no ilusório Rio Alfeu, e nadou vigorosamente para longe, uma táctica que o especialista instantâneo fortemente pressionado pode considerar imitar. Havia mais algumas escolas menores que tentavam alcançar a ribalta, nomeadamente os cínicos, que eram os mestres do comentário sarcástico, e uma desgraça se apareciam para jantar. Um deles, Crates, era conhecido por irromper nas casas das pessoas para as insultar. O cínico mais famoso foi Diógenes, que vivia numa barrica para fugir aos impostos, e que ficou conhecido por ter uma vez dito a Alexandre Magno, com uma certa aspereza, para lhe sair da frente para não lhe tapar o sol. Costumava também escandalizar as pessoas por comer, fazer amor e masturbar-se em locais públicos, quando e onde lhe dava vontade. Pode ser útil fingir um certo afecto pelos cínicos: estavam-se completamente nas tintas para o que as outras pessoas pensavam deles, sendo por isso modelos da Temperança Filosófica, ou idiotas chapados, dependendo do seu ponto de vista. É irrelevante o ponto de vista adoptado, mas certifique-se de que adopta um qualquer. A filosofia vagueou no mundo greco-romano sob da protecção imprevisível dos imperadores romanos, cujas atitudes para com os filósofos variavam consideravelmente. Marco Aurélio, por exemplo, foi ele próprio um filósofo; Nero, por outro lado, matava-os. A influência do cristianismo começou a fazer-se sentir neste período, e a filosofia sofreu com isso. Agostinho, que por qualquer razão bizarra se tornou um santo, apesar da sua pródiga vida sexual e da sua famosa oração a Deus («faz-me casto — mas ainda não») teve algumas ideias interessantes: antecipou o Cogito de Descartes (penso, logo existo; refira-se sempre a isto como «o Cogito»), e desenvolveu uma teoria do tempo segundo a qual Deus está fora da corrente temporal de acontecimentos (sendo Eterno e Imutável, não tinha outra saída), o que quer dizer que o Todo-Poderoso nunca sabe a que horas são as coisas, mais ou menos como os maquinistas da CP. Havia também os neoplatónicos, alguns dos quais eram cristãos, enquanto outros não, mas cujos nomes parecem todos começar por P. Os que eram cristãos dedicavam-se a mostrar que Platão tinha na realidade sido cristão, uma ideia que exige uma reorganização temporal surpreendente, para não dizer implausível. Os neoplatónicos tinham a tendência para falar de Coisas Abstractas com Letras Maiúsculas, tais como o Uno e o Ser, de uma maneira que ninguém percebia. Isto não é um problema exclusivo deles: Heidegger fez o mesmo, mas é claro que ele era alemão, e isso é o tipo de coisa que se espera de um alemão. Encontrará talvez pessoas que cultivam alguma admiração por esta gente; não hesite em afastá-los sumariamente, especialmente Plotino, Porfírio e Proclo, apesar de poder admitir relutantemente que o último tinha umas ideias interessantes sobre Causas. Depois disso veio a Idade das Trevas, e a chama da filosofia, como os historiadores palavrosos gostam de dizer, foi mantida no mundo árabe, e em mosteiros que ou eram tão remotos ou tão pobres que não valia a pena saquear. A pouca filosofia que existia na Europa sofreu uma viragem depressivamente teológica, centrando-se sobre disputas tais como se Deus era Uma pessoa em Três ou Três pessoas Numa, a natureza exacta da Substância do Espírito Santo e quantos anjos podem dançar na cabeça de um alfinete (no caso improvável de desejarem realmente fazê-lo). Vale talvez a pena chamar a atenção para Córdova, no sul de Espanha, que estava ocupada pelos árabes, e que era o país natal do maior filósofo judeu, Maimónides, e do grande filósofo árabe, Averróis. Algumas pessoas dirão que o maior filósofo árabe foi Avicena, e não Averróis — mas não se renda (o dogmatismo compensa). Durante várias centenas de anos, os judeus, os árabes e os cristãos conseguiram viver todos juntos. A intolerância religiosa, apesar de ser perene, não tem sido um facto invariável da vida. Na Europa, a filosofia começou a renascer no século XI com Anselmo, outro dos santos filosóficos, que ficou famoso por ter inventado o enganadoramente chamado Argumento Ontológico da existência de Deus, que é notável pela sua implausibilidade, pela sua longevidade, e pela dificuldade em ser refutado. É assim: pense numa coisa maior do que a qual nada pode existir; mas a existência é ela própria uma propriedade que torna uma coisa melhor. (Esta alegação, implausível quando aplicada à halitose e aos bebés, torna-se mais persuasiva se a entidade em questão for boa em todos os outros aspectos.) Logo, se esta coisa maior do que a qual nada pode ser pensado (i.e., Deus) não existisse, poderíamos imaginar a existência de outra coisa ainda maior, nomeadamente, um Deus existente, que teria todas as propriedades do primeiro, mais a existência como bónus. Mas nós podemos conceber este último. Logo, Deus tem de existir. O próprio Anselmo afirma que foi Deus que lhe enviou uma visão com o argumento pouco depois do pequeno almoço, no dia 13 de Julho de 1087, numa altura em que ele estava a passar um mau bocado com a sua fé. Este é assim o único grande argumento da história da filosofia cuja descoberta pode ser datada com precisão. A não ser, claro, que Anselmo estivesse a contar lérias. O próximo santo filosoficamente importante foi Tomás de Aquino (1225-74), que foi responsável em grande parte pela reintrodução de Aristóteles no mundo ocidental. (Aristóteles foi delicadamente ignorado durante séculos por académicos que não gostavam de admitir que não sabiam grego.) São Tomás é também o único filósofo oficialmente reconhecido pela Igreja Católica. Tornou-se conhecido por propor as Cinco Vias para provar a existência de Deus — não tinha ficado muito impressionado com Anselmo. Não precisa de saber quais são essas Cinco Vias, mas pode talvez fazer notar que não existe qualquer diferença significativa entre as primeiras três, de maneira que Tomás de Aquino estava a exagerar um bocado. Ele é também o autor de dois argumentos interessantes contra o incesto. Em primeiro lugar, o incesto tornaria a vida familiar ainda mais infernalmente complexa do que já é; em segundo lugar, o incesto entre irmãos devia ser proibido porque se ao amor típico dos casais se juntasse o amor típico dos irmãos, o vínculo resultante seria de tal maneira poderoso que resultaria em relações sexuais anormalmente freqüentes. É uma infelicidade que São Tomás não defina este último conceito intrigante. Podemos também duvidar seriamente se teve realmente irmãos ou irmãs. Quanto ao resto dos escolásticos medievais, como são conhecidos devido à sua predilecção pedagógica para o intenso pedantismo, a maioria dos mais importantes parecem ter sido franciscanos. Deve afastar-se decididamente deles, ou pelo menos dos pormenores. Poderá recordar que Duns Escoto (1270-1308) era na verdade irlandês, e que era além disso, segundo Gerard Manley Hopkins, «o mais dotado decifrador do real», seja o que for que isso queira dizer. Outro nome que vale a pena usar é o de Guilherme de Ockham (c. 1290-1349), considerado universalmente o maior lógico medieval, e conhecido sobretudo pela «Navalha de Ockham», com a qual pôs fim a séculos de filosofia hirsuta. A Navalha é usualmente citada segundo a fórmula «As Entidades não devem ser Multiplicadas sem Necessidade», ou, melhor ainda, em latim: «Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem» (i.e., Não Inventes). O especialista instantâneo ganha alguns pontos extra se comentar que esta formulação não se encontra, na verdade, em parte alguma da oeuvre extraordinariamente logorreica de Ockham. A idade moderna da filosofia começa efectivamente com a descoberta, na renascença, do cepticismo grego; foi traduzido por Lorenzo Valla e usado por Michel de Montaigne. Depois de ascender de Valla para Montaigne, a epistemologia céptica formou a base a partir da qual Descartes iria reconstruir uma filosofia positiva. René Descartes, (1596-1650), como quase todos os ensaios dos caloiros de filosofia lhe dirão, foi o Pai da Filosofia Moderna. Descartes foi em muitos aspectos uma personagem apaixonante: tinha muita dificuldade em levantar-se de manhã, e inventou o Cogito (lembre-se de o chamar sempre assim) enquanto estava escondido num quarto aquecido da Baviera, em 1620, para ver se escapava à tropa. Nunca casou, mas teve uma filha ilegítima. É aconselhável decorar o famoso slogan filosófico de Descartes em pelo menos três línguas, pois em português rende muito pouco. O próprio Descartes publicou-o em latim e em francês: Cogito, ergo sum; «Je pense, donc je suis» (a versão do Discours de la Méthode, que é menos conhecida do que a das Meditações latinas, constituindo portanto um material melhor para o especialista instantâneo). Os especialistas instantâneos mais experientes podem divertir-se oferecendo versões em alemão, servo-croata, hindustani, etc. Descartes chegou à conclusão que pelo menos isso era certo, depois de tentar sistematicamente duvidar de tudo o resto, tendo começado com coisas comparativamente simples, como as laranjas, o queijo e os números reais, avançando depois gradualmente para as verdadeiramente difíceis, como Deus e a sua senhoria. Descartes descobriu que podia duvidar da existência de tudo, excepto da realidade dos seus próprios pensamentos. (Ele tinha mesmo algumas dúvidas quanto ao seu próprio corpo, e com razão, a acreditar nos retratos que nos chegaram.) Partindo desta certeza inabalável, Descartes passou à «reconstrução de uma ponte metafísica» (use esta expressão: soa bem) para chegar à realidade comum, por meio da demonstração da existência de Deus (exactamente como fez ele tal coisa não deve preocupar-nos: basta saber que o fez), acabando assim por deixar tudo mais ou menos como estava antes. Mas a filosofia é mesmo assim, como mais tarde diria Wittgenstein. O leitor pode legitimamente perguntar-se no seu íntimo se valeu a pena o esforço: mas não deixe jamais transparecê-lo. A partir desta altura a filosofia começa a mostrar sinais de se dividir em duas tradições, a britânica e a continental. Este tipo de comentário enfurece os franceses e os alemães que, não sem alguma razão, gostam de pensar que têm tradições independentes — por isso vem mesmo a jeito quando falamos com eles. Os britânicos tendem a ser agrupados como empiristas, o que quer dizer que, tal como o nome sugere, constroem os seus sistemas com base no que pode ser sentido, observado, ou objecto de experiência. As personagens mais importantes parecem uma anedota racista: era uma vez inglês (Locke), um irlandês (Berkeley) e um escocês (Hume). Mas quem gosta de anedotas ficará desapontado ao descobrir que, apesar dos estereótipos, Berkeley era muito esperto e Hume muito generoso. Mas comecemos com John Locke (1632-1704), que pensava que os objectos tinham dois tipos de atributos: 1.Qualidades Primárias, como a Extensão, a Solidez e o Número, tidas como inseparáveis e inerentes aos próprios objectos, e 2.Qualidades Secundárias, tais como a Cor, o Sabor e o Cheiro, que parecem estar nos objectos, mas que estão na verdade em quem percepciona. (Qualquer pessoa que tenha passado há pouco tempo por um campo recentemente adubado com estrume de cavalo pode sentir-se na disposição de duvidar disto.) Que há-de fazer-se ao certo com atributos como a Extrema Maldade, que parece simultaneamente estar espalhada e ser objectiva, ninguém sabe: mas ele defendia que o Feio, tal como o Belo, são relativos, o que significa que ainda podemos ter esperança. Locke pensava também que não tínhamos Ideias Inatas (sendo assim, a mente de um recém-nascido seria uma tabula rasa, uma ardósia limpinha: tal como muitas mentes de adultos, a julgar pelas aparências) e que todo o nosso conhecimento do mundo exterior ou foi directamente derivado do mundo exterior, ou indirectamente extrapolado a partir dele. Isto deu-lhe alguns problemas para conseguir dar conta de conceitos altamente abstractos, como o Número, o Infinito e a Cantina Universitária. Locke defendeu ideias interessantes sobre a Identidade Pessoal — como me distingo das outras mentes? Qual é o Conteúdo da Continuidade da minha Personalidade? Serei eu a mesma Pessoa que casou com a minha mulher à cinco anos? Se sou, ainda estou a tempo de fazer alguma coisa? etc. —, sustentando que nem todos os Homens eram Pessoas, pois para se ser uma Pessoa exige-se um certo nível de auto-consciência, e que nem todas as Pessoas eram Homens. A razão pela qual ele acreditava nesta última ideia devia-se unicamente à sua crédula aceitação de uma história de um viajante latino-americano que afirmava ter conhecido no Rio de Janeiro uma arara inteligente que falava português. George Berkeley (1685-1753), apesar das desvantagens de ser simultaneamente irlandês e bispo, era mais radical. Defendia que as coisas só existiam se fossem percepcionadas («Esse est percipi»: não se esqueça desta), e a razão pela qual ele acreditava nesta ideia extraordinária, que ao que parece ele pensava ser no entanto simples senso comum, é que era impossível pensar numa coisa impercepcionada, pois no momento em que tentamos pensar nela como coisa impercepcionada já estamos, por pensar nela, a percepcioná-la. A filosofia de Berkeley esteve fortemente em voga, e teve a virtude de irritar imenso o Dr. Johnson, que afirmou tê-lo refutado ao dar um pontapé numa pedra — uma forma particularmente pouco filosófica de refutação que falhou completamente o ponto de Berkeley. As pessoas que defendem estas ideias chamam-se idealistas (ver Glossário). Tal como a maior parte das coisas em filosofia, os idealistas são mais ou menos lunáticos; G. E. Moore comentou uma vez que os idealistas só acreditam que os comboios têm rodas quando estão nas estações, uma vez que não as podem ver quando viajam. Segue-se também, o que é muito interessante, que as pessoas não têm corpos a não ser quando estão nuas, um facto que, a verificar-se, tornaria completamente inútil grande parte da especulação quotidiana. O sucessor natural deste género de ideias é uma forma de cepticismo: e é aqui que entra Hume (1711-76). Hume publicou o seu primeiro livro, o Treatise of Human Nature, em 1739, e ficou um bocado ofendido porque ninguém lhe ligou nenhuma. Sem se deixar abater, no entanto, limitou-se a reescrevê-lo e a publicá-lo com outro título (Enquiry Into Human Understanding), e as pessoas deram-lhe imediatamente importância e atenção. A perspectiva geral é que a Enquiry é muito inferior ao Treatise: o especialista instantâneo pode tentar opor-se a esta perspectiva (a Enquiry tem pelo menos a virtude de ser muito mais pequena). Entre as coisas que é útil saber sobre Hume contam-se o facto de ele ter oferecido um tratamento original das causas, de acordo com o qual as causas e os efeitos são unicamente os nomes que damos aos acontecimentos ou itens que foram repetidamente observados juntos: a «Conjunção Constante». Tente notar que, na Enquiry, as três formulações de Hume deste princípio não são equivalentes: uma faz das causas condições necessárias dos seus efeitos; uma segunda fá-las condições suficientes; e a terceira parece ser ambígua. E o leitor pode comentar que este princípio não consegue distinguir as causas dos efeitos colaterais. Hume pensava também que o Livre Arbítrio e o Determinismo podiam ser compatíveis: duvide disto delicadamente. Entretanto, de volta ao continente, temos de dar conta de indivíduos como Espinosa (1634-77), um polidor de lentes de Amesterdão. Foi muito admirado (mas não, aparentemente, pelos seus contemporâneos, que primeiro o excomungaram publicamente, tendo depois tentado assassiná-lo, quando isso não deu resultado) pelo seu Sistema Ético, que pôs de pé como um conjunto de deduções formais em geometria. Não é surpreendente, devido ao seu método, que ele tivesse sido um forte Determinista, tendo acreditado ainda numa Necessidade Lógica inabalável. A melhor aproximação a Espinosa é equilibrar uma certa admiração pelo homem, com um leve sentido de desapontamento por ter usado um sistema tão impróprio para um tema como a ética. A ética, pode dizer-se sentenciosamente (como na realidade o fez Aristóteles), não é apropriada para ser exibida num sistema formal axiomático. Leibniz (1646-1716) é popularmente conhecido através da caricatura de Pangloss, no Cândido de Voltaire, o parvo optimista que pensa que estamos no melhor dos mundos possíveis, o que é um completo disparate. Contudo, Leibniz só escreveu coisas desse género para reconfortar os monarcas. Podia pensar-se que eles já tinham conforto suficiente, mas não. Leibniz escreveu também muito sobre assuntos Lógicos e Metafísicos, mas estas especulações não foram publicadas durante a sua vida, porque não eram muito reconfortantes para os monarcas. No caso improvável de este nome vir a lume, reflicta tristemente na diferença entre a qualidade do pensamento privado de Leibniz, e a pobreza das suas afirmações públicas. O espaço não nos permite dizer muito sobre os filósofos franceses do século XVIII, cujas figuras de proa foram Voltaire, Rousseau e Diderot. Eles são notáveis por terem sido todos presos ou exilados, ou ambas as coisas. Está cada vez mais na moda exaltar a originalidade, o instinto, a humanidade e a excelente prosa erótica de Diderot, desprezando os outros, acrescendo ainda que vale a pena cultivá-lo mais que não seja porque pouco do que ele escreveu, excluindo La Réligieuse, está correntemente disponível em português. Experimente introduzir na conversa La Reve de d’Alembert ou Jacques Le Fataliste — e nunca se esqueça de mencionar que ele vivia da escrita de textos porno. O Marquês de Sade é um bom investimento, parcialmente por ser um exemplo de um aristocrata maluco com um comportamento extravagantemente desviante, mas também devido ao seu tipo particularmente louco de filosofia do estado de natureza: o seu mote poderia ter sido qualquer coisa como «se sabe bem, não hesites». Sabia bem, ele não hesitou e acabou preso por causa disso. Pode mencionar a Philosophie dans le Boudoir, uma mistura extraordinária de filosofia política, moral e sócio-biológica com muito sexo sadomasoquista imaginativamente coreografado. Pode perguntar-se suspeitosamente se a sua filosofia terá sido levada suficientemente a sério (na verdade foi: mas não precisa de o mencionar). O que nos conduz aos alemães do século XIX. O nosso conselho é este: evite-os a todo o custo. Tudo o que precisa de saber do seu precursor, Kant, pode encontrar-se noutra secção (ver Ética). Tudo o que todas as pessoas sabem sobre Hegel pode escrever-se num postal ilustrado, e mesmo assim seria ininteligível. Ele possuía, de forma muito avançada, esse talento comum aos advogados, entusiastas de computadores e filósofos alemães, que consiste em tornar o basicamente simples fantasticamente complexo. Começou por usar a palavra «dialéctica» para referir as inter-relações das forças históricas opostas, sendo assim importante para a pré-história do marxismo. Para além disso, a terminologia filosófica alemã pode impressionar bastante, quando usada convenientemente (v. glossário). O mesmo se pode dizer, mais ou menos, de Schopenhauer. Nietzsche (1844-1900) era um excêntrico, sendo por isso o assunto ideal para as vernissages. As opiniões contemporâneas têm tendência para o classificar juntamente com Wagner como um proto-fascista; ele era sem dúvida alguma anti-semita, mas na Prússia do século XIX toda a gente o era. Ele achava que Deus estava morto, ou pelos menos de férias, e odiava fanaticamente as mulheres, apesar de ser duvidoso se ele chegou realmente a conhecer alguma. Avançou também a doutrina do Eterno Retorno, de acordo com o qual tudo acontece repetidamente, uma e outra vez, exactamente da mesma maneira. Ele achava que isto era reconfortante, mas na verdade condena-nos a uma eternidade de um tédio repetitivo, ou, alternativamente, se cada retorno for precisamente igual a todos os outros de maneira a que nenhum contenha memórias de nenhum outro, não faz qualquer diferença. Nietzsche ficou definitivamente louco em 1888 (algumas pessoas diriam que já estava louco há muito mais tempo) e começou a escrever livros com capítulos intitulados Por Que Sou Tão Esperto, e Por Que Escrevo Livros Tão Bons. Entre os não alemães do século XIX, deve mencionar Kierkegaard, mais que não seja para mostrar que sabe pronunciar o nome: «Quírquegôr». O filósofo francês mais notável deste período foi Henri Bergson. Era um Vitalista, acreditando portanto que o que distinguia a matéria animada da inanimada era a presença na primeira de um misterioso Élan Vital, uma força misteriosa e indefinível que por alguma razão desaparece do corpo humano na adolescência. Conseguiu também, o que é notável, escrever um longo livro sobre o riso que não contém uma única boa piada. O que nos conduz aos americanos. A contribuição originalmente americana para a filosofia foi o pragmatismo, que não é, como na política, uma designação alternativa para uma rejeição esfarrapada e indulgente de quaisquer princípios, mas antes a crença de que a verdade e a falsidade não são absolutas mas sim uma questão de convenção, ou que, como alguns filósofos modernos gostam de dizer, «estão em aberto.» Pensando melhor, talvez o pragmatismo tenha afinal qualquer coisa a ver com a política. Esta ideia foi defendida por William James e John Dewey. Se citar estes nomes, não se esqueça que James era irmão do romancista Henry James. Isto conduz-nos ao fim da secção histórica desta exposição: os filósofos do século XX serão tratados numa outra secção (e com um bocado mais de cuidado, uma vez que muitos deles ainda estão vivos, podendo portanto vir a processar-me). AS MORTES DOS FILÓSOFOS Acabámos portanto a vida dos filósofos. Segundo os epicuristas, a morte nada é para nós — mas apesar da opinião deles, incluímos a seguinte lista de mortes filosóficas bizarras, para efeitos de completude. Há duas tradições no que respeita à morte de Empédocles. De acordo com uma delas, ele morreu de uma perna partida; mas a outra defende que ele saltou para a cratera do Monte Etna para provar assim que era um deus. Não se sabe como poderia isto constituir tal prova. Heraclito, contudo, contraiu hidropisia em resultado de viver de erva e de outras plantas numa encosta de uma montanha, numa veneta misantrópica. Ao ser informado pelos médicos que o seu estado não tinha cura, tomou o tratamento a seu cargo, obrigando-se a ser coberto da cabeça aos pés com estrume, sendo depois deixado na rua (ou talvez tivesse acontecido apenas que ninguém o queria em casa). Segundo o historiador Diógenes Laércio, «ele não conseguiu tirar o estrume, e, estando assim irreconhecível, foi devorado pelos cães». Talvez os cães não o tivessem devorado se soubessem quem era.Nunca mencione a morte de Sócrates com cicuta numa cela ateniense; mas se tiver a infelicidade de alguém lho mencionar, tente fazer notar que a descrição da sua morte no Fédon de Platão é completamente inconsistente com os efeitos conhecidos da cicuta: por isso, alguém estava a mentir. Pitágoras foi uma vítima do seu próprio vegetarianismo extremo. Ao ser perseguido por vários clientes insatisfeitos, chegou a um campo de feijão, e, para não o pisar, ficou onde estava, acabando assim por ser morto. Crínis, o estóico (uma escola famosa pela sua atitude imperturbável e indiferente em relação aos aspectos terrenos) morreu de medo com um guincho de um rato. A filosofia estóica nunca conseguiu recuperar completamente deste revés. Crisipo, o estóico, por outro lado, morreu a rir de uma das suas terríveis anedotas. Um macaco de uma velha, assim reza a história, comeu uma vez uma grande quantidade dos figos de Crisipo, após o que este lhe ofereceu o seu odre, dizendo «É melhor ele dar um golo para acompanhar os figos», após o que desatou às gargalhadas. Depois morreu. Com um sentido de humor assim, não temos de nos sentir culpados se pensarmos que foi uma sorte nenhum dos seus 700 livros ter sobrevivido. Diógenes terá morrido de uma das seguintes três maneiras: 1) Porque não se deu ao trabalho de respirar. 2) Devido a uma grave indigestão em resultado de comer polvo cru. 3) Por ter sido mordido no pé ao dar polvo cru aos seus cães. Depois do período antigo a qualidade das mortes filosóficas decaiu consideravelmente, apesar de valer talvez a pena registar que Tomás de Aquino morreu na retrete, tal como já tinha acontecido a Epicuro. Francis Bacon morreu em resultado de uma pneumonia que apanhou quando tentava congelar uma galinha na neve, em Hampstead Heath. É talvez o único homem que morreu em resultado de uma investigação relacionada com a comida, e não por a ter efectivamente comido. Finalmente, Descartes teve a pouca sorte de morrer por se levantar demasiado cedo. Atraído pela corte da Rainha Cristina da Suécia, descobriu para seu horror que ela queria ter explicações diárias e que a única hora que tinha livre era às cinco da manhã. O choque matou-o.